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Pasado Abierto - Año de inicio: 2015 - Periodicidad: 2 por año
https://fh.mdp.edu.ar/revistas/index.php/pasadoabierto - ISSN 2451-6961 (en línea)

Do Rosário

Pasado Abierto. Revista del CEHis. Nº6. Mar del Plata. Julio-Diciembre 2017.
ISSN Nº2451-6961.
http://fh.mdp.edu.ar/revistas/index.php/pasadoabierto


Outros ensinos na história

Daniela do Rosário
Universidade Federal da Bahia, Brasil
daniela-rosario@uol.com.br


Recibido:10/9/2017
Aceptado: 22/10/2017

Resumo

Como resposta a contextos interculturais, o ensino da história na contemporaneidade se ocupa cada vez mais em encontrar modos para falar do “outro” como sujeito da mesma história. Neste artigo, refletimos acerca do ensino de história no ensino brasileiro e como novas propostas abrem possibilidades para a elaboração de currículos que contemplam saberes históricos onde o “outro” é sujeito.

Palabras claves: história, educação, descolonização

Other teachings in history

Abstract

As a response to intercultural contexts, the contemporary teaching of history is increasingly concerned with finding ways to talk about the "other" as subject of history itself. In this article, we reflect on the teaching of history in Brazilian education and how new proposals open possibilities for the development of curricula that contemplate historical knowledge where the "other" is a historical subject.

Keywords: history, education, decolonization

Other teachings in history

Resumen

Como respuesta a contextos interculturales, la enseñanza de la historia en la contemporaneidad se ocupa cada vez más en encontrar modos para hablar del "otro" como sujeto de la misma historia. En este artículo, reflexionamos acerca de la enseñanza de la historia en la enseñanza brasileña y cómo nuevas propuestas abren posibilidades para la elaboración de currículos que contemplan saberes históricos donde el "otro" es sujeto.

Palabras clave: historia, educación, descolonización

Outros ensinos na história



Introdução

A palavra “outro” que comumente usamos nas ciências humanas, não é um substantivo, em nada fala sobre a essência de um sujeito, “outro” é um adjetivo, é uma palavra que classifica um sujeito enquanto um sujeito “distinto”, “raro”. Esta classificação, coloca o “outro” em “outros mundos” onde muitas vezes somos levados a pensar que os sentimentos e sentidos destes, possam transcender uma existência humana. Carregamo-los de responsabilidades e deveres sobre os quais este não são devidamente informados quanto a importância para um contexto social, ou mesmo se, para ele, é interessante cumpri-los. No entanto, nenhum das características que o “outro” possa apresentar, ainda que seja lido como qualidades potencializadas, parece torná-lo capaz de falar por si mesmo, ou de resolver suas próprias questões. Para refletir acerca do “outro”, primeiro teríamos que considerar a possibilidade de que a ciência desumaniza o “outro”, ao torná-lo “objeto” de pesquisa, esta ação que limita o sujeito, enquanto sujeito, é uma característica do colonialismo cientifico; segundo, os conhecimentos que apresentam o “outro” equivalem a qualquer outro conhecimento produzido pelo homem através da sua relação com o ambiente, isso inclui os conhecimentos produzidos na academia. Assim discursa a ciência moderna.

Dito de outra forma, não estaríamos então construindo novos processo de desumanização, à medida que, por exemplo, a visão sobre o “outro” tende a prendê-lo a signos indenitários imutáveis, retirando deste a possibilidade de auto (re)significação, escolhas e retornos, questões comuns e necessárias a qualquer ser humano? Mesmo na atualidade, quando passeamos pelas construções teóricas que partem de teorias descoloniais/decoloniais, é possível perceber, que evidenciar e tentar traduzir a distinção do outro parece ser mais importante que ouvir o sujeito humano que fala e suas necessidades em relação ao meio. Seja como for, esse “outro” a muito tem nos levado a repensar a história, em particular a história do tempo presente, à medida que, no mundo, Estados ditos democráticos são induzido a incorporar sujeitos em espaços sociais onde sua presença é limitada ou inexistente. As políticas públicas têm papel importante neste processo, estas que são fomentadas principalmente por pressão de grupos civis militantes e étnicos, com a colaboração de estudos acadêmicos, não deixam de ser desenhadas e aplicadas para se enquadra a ideologias Estatais, a culturas governantes. Sendo assim, poucas fogem à regra de serem aplicadas através de perspectivas padronizadas, militantes de ordens socioeducacionais que tornam os sujeitos, objeto de sua sobrevivência.

De modo geral, declara Hall, a corrente que leva os movimentos civis e cientistas a se ocuparem das políticas públicas neste momento, surgiu de discussões acerca do multiculturalismo, nos “novos mundos”, Hall as considera como: “Substantivo. Referese às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais” (2013: 52-53). Todos sabemos, metodologias educacionais tem o poder de gerar “doutrinas” sociais, nesse desenho, Hall (2013), segue suas considerações acerca das políticas multiculturais afirmando que estas obedecem a um novo modelo de controle social, podendo o grupo “amparado” ficar preso a assistencialismo econômico e novas doutrinas culturais. Nesse quadro social de onde brotam diferentes estruturas de poder político, aquilo que é produzido e “validado” pela ciência, pode ser responsável pela construção de pensamentos sociais que ditam novos desenhos políticos e seus impactos para os grupos de minoria. Quanto o papel da ciência histórica nesta trama? esta é “(...) um dentre uma série de discursos a respeito do mundo. Embora esses discursos não criem o mundo (aquela coisa física na qual aparentemente vivemos), eles se apropriam do mundo e lhes dão todos os significados que têm” (Jenkins, 2009: 23).

Contra essa corrente as novas propostas de estudo e ensino da história deve buscar as diferentes histórias que costuram uma trama social, enriquecendo contextos e consequentemente, políticas públicas. No papel de transformadoras sociais, discuti políticas públicas é discuti a história passada a partir da história do tempo presente, do contexto social de quem narra a história, está mesma que pode se tornar abstrata, devido ao caráter ficcional da memória de quem narra. Enquadrando uma trama, a história se materializa nos modos de pensar a economia, religião, linguística, raça, sexualidade, territórios, elementos presentes na narrativa do sujeito da contemporaneidade (Hall, 2014) os mesmos sujeitos que iremos encontrar, por exemplo, em “mundos outros”. Deveríamos fugir de esquemas onde o discurso de “manutenção” da tradição cultural servem de base para estruturas normativas excludentes ou minimizadoras dos sujeitos envolvidos, como as que contribuem para manutenção do racismo, machismo, essencialíssimo e reificação de histórias humanas.


História (s) afrobrasileiras na educação

No Brasil, no campo educacional as políticas públicas têm impulsionado o exercício da pesquisa histórica e provocado mudanças no rumo das pesquisas ao defender releituras que observem na construção social brasileira a existência e contribuição de culturas de origens africanas no processo de construção nacional, por exemplo. A lei 10.639/2003, tem papel importante neste processo, determinando: “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. [1] Com isso abre-se espaço para o desenvolvimento de propostas pedagógicas que contribuiriam para diminuição do preconceito racial, principal responsável pela formação de espaços violentos, desigualdades sociais e genocídios, no Brasil.

O “mito” da democracia racial, por exemplo, mesmo no momento presente, influenciam, leituras de historiadores, sociólogos, antropólogos e pessoas de opinião do mundo inteiro. Sobre o mito os estudos realizados a partir da lei 10.639/2003, reafirmam aquilo, que a muito, grupos de militantes negros denunciavam, o crescente e forte preconceito sofrido pela população afrobrasileira em todas as regiões do país. Uma sociedade ainda contaminada por aquilo que na década de 1950 pesquisadores como Oracy Nogueira apontavam como uma problemática social séria. Em 2013, dez anos após a promulgação da lei 10.639/2003, surge, no centro dos debates problemáticas educacionais evidenciadas em diferentes tentativas, nos diferentes espaços educacionais onde se tentou aplicar metodologias baseadas na sua proposta, o preconceito racial e institucional pulsante em práticas cotidianas que dificultavam a circulação dos “novos saberes” advindos de culturas negras que estavam sendo propostas no novo currículo escolar. Apesar das já esperadas reações sociais contrarias a proposta da lei (afinal foi esse o motivo de sua criação, repensar estruturas educacionais que atendem a padrões eurocêntrico e racistas), muitos trabalhos mostraram-se mais preocupados em narra os casos racista, concentrando-se nos traumas que eles causavam, mesmo que neste momento parecesse oportuno pensar, para além do mapeamento da causa e consequência do racismo, em desenvolver métodos pedagógicos que desconstruísse tais modos de pensar sem impor um novo modo de pensar “único”, ao espaço.


Histórias acerca de uma identidade

Retornando a questão do “outro”, nos perguntamos sobre o quilombola brasileiro. A historicidade e identidade quilombola tem sido tema constante nas últimas décadas no cenário acadêmico brasileiro, as comunidades que no Brasil, são principalmente de origem afrobrasielira, têm ganhado visibilidade por conta da ampliação e regulamentação de políticas públicas que propõem medidas sociais de amparo e diminuição da desigualdade social para grupo étnico. Em uma pequena síntese histórica, poderíamos narrar que: Da “fuga que levava à formação de comunidades de escravizados fugidos, aos quais frequentemente se associavam outras personagens sociais, aconteceu nas Américas onde vicejou a escravidão” Gomes e Reis (1996: 10), à suas características atuais, os quilombos passaram, como não poderia deixar de ser, por processos de reformulação social e cultural marcados pelas especificidades regionais e pelos processos de reestruturação político-social que passou o país, desdás primeiras formações quilombolas em território brasileiro, até os dias atuais quando encontramos “reminiscências” históricas de identidades. Numa perspectiva antropológica, poderíamos sugerir que das tentativas de controle cultural europeia as resistências negras, “a cultura original de um grupo étnico na diáspora ou em situações de intenso contato, não se perde ou se funde simplesmente, mas adquire uma nova função, essencial e que se acresce às outras, enquanto se torna cultura de contrastes: este novo princípio que subtende a do contraste determina vários processos.” Cunha (1986: 99).

Com o fim do sistema escravocrata implementado no Brasil, e o início do pensamento capitalista que determinou, assim como no resto da América, a mudança da mão-de-obra escrava pela assalariada, o “problema” dos quilombos, que provocou a riação de leis e medidas para inibir suas formações[2] caiu no esquecimento da nação, agora ocupada em industrializar seu território e embranquecer a população. Décadas depois, o termo quilombo reaparece no cenário político e intelectual junto com os debates da democracia racial brasileira. A ideologia difundida por Gilberto Freyre, na década de 1930, construía a ideia de que o Brasil seria um país onde o encontro das três raças: branca, indígena e negra, resultou numa soma cultural e física harmoniosa, chamada brasilidade. Contrários a essa ideologia, e baseados em estudos do cotidiano, intelectuais e militantes políticos como Florestan Fernandes e Abdias do Nascimento, declaravam a democracia racial brasileira um mito, que permitiu a ressignificação da hegemônica cultural eurocêntrica que sempre dominou o país.

Trabalhos de Abdias do Nascimento, assim como de outros intelectuais negros, contribuíram para evidenciar e elaborar construções acerca dos quilombos. Nas exigências por reparação diante das injustiças que sofreram os negros no passado e continuavam a sofrer, os quilombos ressurgem como símbolo de luta, alimentado pela historicidade que o subscreve. Sua relevância histórica é desenhada com características como - valores ancestrais, isolamento e purismo cultural. Em 1980, impulsionado pela transição democrática e a difusão internacional, o Brasil inicia re-elaborações políticas, que resultou na reforma constitucional de 1988, (Trevisan y Bellen, 2008). Com esta os quilombolas conquistaram o artigo 68,[3] passando o Estado a considerá-las como Comunidades remanescentes quilombolas. Se essa mudança ocorre e é percebido com mais força em relação ao negro, por pressão do Movimento Negro Unificado (MNU) ou pela necessidade de manter a ideia de um país culturalmente democrático, em respostas as políticas multiculturais, em discussão no cenário internacional, o fato é que o artigo inaugura um novo momento político e social para as comunidades quilombolas brasileiras na luta por representatividade e autonomia social (Rosario, 2016).


Qual quilombo vai à escola?

Para estabelecer uma educação que contemplasse as especificidades históricas e culturais destes espaços, em 2010 foi realizado em Brasília, o I Seminário Nacional de Educação Quilombola com a intenção de pensar um currículo que contemplasse as características socioculturais comunitárias. Em 20 de novembro de 2012 foram definidas as diretrizes para a educação quilombola, que poderiam ser pensadas como a inserção curricular, do estudo da historicidade local e seus conectores com a historicidade das culturas afro-brasileiras e o estudo das histórias do continente africano e suas influências em territórios brasileiros. As diretrizes propõem o incentivo e qualificação do docente quilombola sugerindo que: “a educação escolar quilombola deverá ser conduzida, preferencialmente, por professores pertencentes às comunidades quilombolas”, o que contribui para construção de metodologias educacionais próprias do lugar alinhadas a saberes pedagógicos diversos. No entanto, assim como a lei 10639/2003, as diretrizes quilombolas encontram nestes espaços, formas de pensar convergentes a ideologias racistas, mesmo que desenvolva práticas culturais entendidas como de ascendência africana. Esse signo social implantando nos espaços pelo Estado colonialista, é o que caracteriza e conecta as histórias afrobrasileiras, marcas de ideologias racistas.

A escolha dos conceitos que definem as demandas pedagógicas deve ser capaz de integrar todas as questões, históricas e culturais desses espaços – reflexão e trabalho, seriam então conceitos chaves no currículo de grupos étnicos que lutam pelo direito a territorialidade. Dito de outro modo, a educação nesses espaços, em nada deve se desligar de questões e demandas locais tal como os desenhos curriculares que privilegiam saberes como transito, tempo, economia, biologia, sociologia, por exemplo. No plano das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais foram definidos como conceitos bases, da educação quilombola.

O cotidiano quilombola, a exemplo de outros grupos étnico-raciais e sociais, é a emergência da práxis[4] porque o pensar e o fazer se corporificam:

• Na forma de visões (pensamentos, idéias) que orientam um porta-se diante do mundo;

• No modo de vida e mais especificamente na forma de trabalho como atividade prática que não isola o pensar do fazer, resultando em um manter-se no mundo;

• Enfim, como processo educativo que confere aos sujeitos um localizar-se no mundo observando as suas especificidades de raça, gênero, faixa etária e classe social.

As diretrizes falam ainda da importância da inserção desse currículo como elemento de preservação da memória e tradição dessas comunidades. Tais conceitos, por certo, dizem respeitos a postura de sujeitos sociáveis, não importando o meio social de onde partem, princípios básicos como porta-se socialmente, o trabalho prático e a construção de identidades fazem parte do cotidiano do sujeito que circula em sociedade. A chave que abre processos que evidenciam formas cotidianas particulares de uma estruturação social e por consequência, conteúdos pedagógicos relevantes, não está em pensa-los como específicos por essas práticas. A especificidade está na narrativa que o sujeito nativo, constrói no território e para o seu território.

A discussão tanto da lei 10.639/2003, quando das diretrizes quilombolas, é primeiramente, sobre o racismo: suas formas, consequências e como retirá-lo de nossa sociedade. As relações raciais no Brasil são particularmente complexas, a luta pela diminuição do racismo tem adversários fortes, o mito da democracia racial, o preconceito de marca, culturas de branqueamentos. Nenhum dos governos políticos que dominaram a nação, tratou de fazer ou se tentou, conseguiu, desconstruir a ética e a moral que se estabeleceu no país a partir dos conceitos sociais citados acima. Ao definir-se quilombola, o sujeito que se declara, continua circulando em uma sociedade regida por culturas eurocêntricas racistas, a pesar da existência negra que a autodefinição lhe revela e os mundos negros por onde este irá circular, o Ser, o sujeito, o indivíduo, não irá sacar de imediato os vícios morais adquiridos na sociedade por onde continua circulando; menos ainda, pode ser previsível que tal sujeito será rico em detalhes ao narrar uma memória que sofre com as marcas do corpo antes negado; ou ainda, se o ato de narrar, será capaz de reeducar o sujeito e o pesquisado, o educando e o educado.

Em certas partes do Novo Mundo, a memória da escravidão é conscientemente reprimida pelos descendentes dos escravos africanos. O drama familiar que está na base desta tragédia, assim como, atualmente, a miséria de suas existências, são constantemente negados. Para ser exato, esta negação não é equivalente ao esquecimento. Ela é simultaneamente uma recusa de reconhecer a própria ancestralidade e uma recusa a lembrar um ato que provoca sentimentos de vergonha. Sob tais condições, a prioridade não é realmente restabelecer contato consigo mesmo e com suas próprias origens. ” (Mbembe, 2001: 188-189).

Para Munanga (2012), existem três fatores essenciais na construção de uma identidade ideal: o fator histórico, o fator linguístico e o fator psicológico. Como o próprio autor considera que a construção ideal de identidade é algo quase improvável na realidade globalizada das identidades, tiraremos desse esquema o fator linguístico e suas multiplicidades, e tratemos aqui do primeiro e do terceiro fator. O primeiro é considerado para o autor o mais importante na construção da identidade, pois: “constitui o cimento cultural que une os elementos diversos de um povo através do sentimento de continuidade histórica vivido pelo conjunto de sua coletividade” (2012: 12), no contexto quilombola esse fator é determinante, não só na elaboração do grupo em si, mas também na participação desses enquanto grupo multicultural brasileiro. O fator psicológico que o autor afirma funcionar como uma “ideologia na medida em que permite aos membros se definir em contraposição com os membros de outros grupos” (2012: 13), para o quilombola, repousa na indefinição da identidade quilombola negra brasileira, o “conflito” entre a identidade cotidiana x a identidade institucionalizada (a realidade mais presente na memória coletiva e na oralidade que necessariamente em práticas cotidianas). Em 1997, Arruti assinalava ao referir-se as inúmeras produções acadêmicas e análises antropológicas que surgiram, após a promulgação do artigo 68:

No processo (na maioria, se não na totalidade das vezes, conflituoso) de nomeação de um grupo como “remanescente”, produzem-se uma série de mudanças que atingem aquelas comunidades, tanto na sua relação com os que as rodeiam — sejam as populações vizinhas, os poderes locais ou os aparelhos de Estado —, quanto nas relações entre seus próprios atores, com acomodações, disputas e muitas vezes a própria criação de chefias e formas de ordenamento político, com a alteração dos significados atribuídos às festas e rituais, com a reelaboração da memória e com a alteração do status dos guardadores da memória, que passam a desempenhar um papel sem precedentes na vida do grupo. Apesar das exigências do termo, os “remanescentes” não são sobras de antigos quilombos prontos para serem identificados como tais, presos aos fatos do passado por uma continuidade evidente e prontamente resgatada na “memória coletiva” do grupo. (1997: 23).

O’Dwyer (2007: 45), destaca que “Tal perspectiva tem o efeito prático de produzir um tipo de conhecimento que, ao determinar a indivíduos e grupos seu lugar no universo social, pretende revelar suas identidades, até por eles próprios “desconhecidas”.

Estes e outros recortes buscam considerações quanto a identidade quilombola, a institucionalizada e divergências com identidades cotidianas comunitárias. Isso nos leva a admitir que a concepção vigente não é uma concepção “pura”, pelo menos não no sentindo romantizado e essencialista que a imagem cultural quilombola carrega. Sendo assim, os recortes metodológicos educacionais devem se desprender dessa ideia de “outro mundo” como algo que tende a revelar sentidos místicos ao falar de si mesmo, ou se deslocam para realidades imaginadas. Vistos de forma humanizada, ao aplicarmos uma educação descolonizada tenderemos a ver o “outro” como reflexo de nós mesmos, adaptados a contextos diversos.


Conclusão

A quem atende o ensino, e por que construir uma proposta educacional? Para responder essas perguntas, teríamos que recorrer a tudo que influencia e integra o território do estudo proposto, essa é uma pergunta, cuja reflexão deve desenvolver um pensamento transdisciplinar, tudo que é desenvolvido neste lugar, tudo que chamamos de cultura, a mistura de vários processos que constrói o jeito de pensar “comunitário”, conceitos éticos, exercícios morais e as diferentes maneiras como tudo é traduzido. Isso, como provoquei em outro texto (ROSARIO, 2017), requer sentido de revelação, que neste caso se dá a partir da consciência, do lugar que ocupa o pesquisador, o educador, na trama social. Quem somos, é uma reflexão a parte e relevante neste processo, como aponta Geertz, referenciado Lévi-Strauss:

O etnocentrismo, argumentou Lévi-Strauss em “Raça e cultura”, e de modo um pouco mãos técnico em “O antropólogo e a condição humana”, escrito cerca de uma década depois, não apenas não é ruim em si, como é até uma coisa boa, pelo menos desde que não fuja ao controle. A fidelidade a um certo conjunto de valores faz com que, inevitavelmente, as pessoas fiquem parcial ou totalmente insensíveis a outros valores” aos quais outras pessoas, igualmente provincianas, são igualmente fieis. (Geertz, 2001: 69-70)

A construção de um território próprio, mesmo diante dos conflitos que a decisão provoca, são maneiras de autodefinição, de autoconhecimento, que coloca indivíduos no centro do seu processo. A educação e política são caminhos, sobre os quais o sujeito pode escrever ou transcender sua história. Em territórios onde a história está diretamente ligada ao tempo presente e na relação dos sujeitos nativos com sujeitos de outros territórios, desenvolver pedagógicas através da historicidade local não só contribui para o fortalecimento da cultura local, mas para as construções cognitivas do sujeito.

Quantos mundos quilombolas cabem na história do Brasil? Que parte importante da história negra se oculta no legado guardado na memória de comunidades inteiras que viveram as mesmas histórias sociais em cenários sociais diferentes?



Referencias bibliográficas


Arruti, José Maurício P. (1997). A emergência dos “remanescentes”: notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas. Mana, vol.3, Nº 2, pp. 7-38.

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Rosário, Daniela Santos do (2017). A narrativa como tradutora metodológica de uma epistemologia quilombola. En II Fabrica de Ideias - (HISTORIAS Y PRÁCTICAS), Universidad Nacional de Mar del Plata, Mar del Plata. Disponível em: http://fh.mdp.edu.ar/encuentros/index.php/fabricadeideas/2fi2017/paper/viewFile/2469/ 929. Acessado em: 10-12-2017.

Trevisan, Andrei P e Bellen, Hans M. V (2008). Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. RAP, Vol. 42, Nº3, pp. 529-550.

Daniela Santos do Rosario es quilombola, profesora y licenciada en Historia por la Universidad Jorge Amado, Salvador de Bahía, Brasil. Es especialista en Coordinación pedagógica por la Fundação Visconde de Cairu y tiene una Maestría en estudios Étnicos y Africanos otorgada por el programa de posgraduación en estudios Étnicos e Africanos de la Universidad Federal da Bahia. Entre sus producciones académicas se desataca su tesis de Mestría: “Um quilombo: identidade e política pública /privada na comunidade remanescente quilombola de Torrinhas, Cairu-BA”.


[1]Texto da lei disponível em: https://www.mpma.mp.br/arquivos/CAOPDH/Leis_10.639_2003__inclus%C3%A3o_no_curr%C3%ADc ulo_oficial_da_Hist%C3%B3ria_e_Cultura_Afrobrasileira.pdf. Acessado em: 28-09-2017.

[2]Os agrupamentos de negros fugidos ganhavam definições oficiais, segundo Silva Lara. “O regimento aprovado pela Cãmara de São Paulo, em 1733, definia por quilombo o ajuntamento de “mais de quatro escravos vindos em matos para viver neles, e fazerem roubos e homicídios”, estipulando ainda diferença entre os formados próximos à acidade e aos mais afastados. Os oficiais da Câmara de São Salvador dos Campos dos Goitacases, em 1757, entendiam por quilombo escravos que “estivessem arranchados e fortificados com ânimo a defender-se [para] que não sejam apanhados”, esclarecendo que os tais ranchos não eram quaisquer, mas daqueles em que ficam “por se repararem do tempo”, e estipulavam que “achando-se de seis escravos para cima que estejam juntos se entederá também [por] quilombo”” (Lara, 1996: 97).

[3]Art. 68. “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. (Constituição Federal de 1988, p. 177).

[4]Práxis, no sentido conferido por Freire (1987), é uma teoria do fazer. Para melhor entendimento da aplicação no ensino quilombola, ver livro: Orientações e Ações para Educação (2006: 140).

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