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Cuadernos Medievales - Año de inicio: 2015 - Periodicidad: 2 por año
https://fh.mdp.edu.ar/revistas/index.php/cm - ISSN 2451-6821 (en línea)

A VINDICTA CONTRA OS HEREGES NAS OBRAS DOS FRADES DOMINICANOS MONETA E ROLANDO DE CREMONA (Séc. XIII)[1]

LA VINDICTA CONTRA LOS HEREJES EN LOS TRABAJOS DE LOS FRAILES DOMINICOS ROLANDO Y MONETA DE CREMONA (Siglo XIII)

THE VINDICTA AGAINST HERETICS IN THE WORKS OF THE DOMINICAN FRIARS MONETA AND ROLAND OF CREMONA (13th century)

Patrícia Antunes Serieiro Silva

Universidade de São Paulo

pantunes@usp.br

 

 

Fecha de recepción: 30/04/2020

Fecha de aprobación: 31/05/2021

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar o tema da vindicta contra os hereges, em particular, a pena de morte, nas obras teológicas e heresiológicas dos frades dominicanos Rolando (? - 1259) e Moneta de Cremona (? - 1260). Ambos fizeram parte da primeira comunidade de Pregadores do convento bolonhês de San Nicolò delle Vigne e ocuparam um papel de destaque nas memórias da Ordem, em virtude, principalmente, dos seus empenhos na refutação e na pregação anti-herética. Ao legitimarem a morte dos hereges obstinados e relapsos, à luz dos argumentos bíblicos e patrísticos, os dois Dominicanos reforçaram a colaboração necessária entre a espada espiritual e a espada material na luta contra os inimigos da fé e na preservação do bem comum.

Palavras-chave

Vindicta – Hereges – Homicídio – Heresiologia - Dominicanos

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar el tema de la vindicta contra los herejes, en particular, la pena de muerte, en los trabajos teológicos y heresiológicos de los frailes dominicos Rolando y Moneta de Cremona. Ambos formaron parte de la primera comunidad de predicadores del monasterio de San Nicolò delle Vigne y desempeñaron un papel destacado en las memorias de la Orden, principalmente debido a sus esfuerzos en la refutación y la predicación antiherética. Al legitimar la muerte de herejes obstinados y reincidentes, a la luz de los argumentos bíblicos y patrísticos, los dos dominicos reforzaron la colaboración entre la espada espiritual y material en la lucha contra los enemigos de la fe y en la preservación del bien común.

Palabras clave

Vindicta – Herejes – Homicidio – Heresiología – Dominicos

Abstract

This article focuses on the analysis of the theme of vindicta against heretics, in particular, the death penalty, in the theological and heresiological works of the Dominican friars Roland and Moneta of Cremona. Both authors were part of the first community of Preachers of the Bolognese convent of San Nicolò delle Vigne and played a prominent role in the Order’s memories, mainly due to their contributions to anti-heretical refuting and preaching. They legitimazed the death of obstinate and relapsed heretics applying biblical and patristic arguments, and by doing so, the two Dominicans reinforced the necessary collaboration between the spiritual sword and the material sword in the fight against the enemies of the Faith and in the preservation of the common good.

Keywords

Vindicta – Heretics – Murder – Heresiology - Dominicans

 

 

Introdução

Se o tema da vindicta rendeu alguns trabalhos importantes, a maioria centrada na faida,[2] a vindicta contra os hereges – com exceção do artigo de Caterina Bruschi[3] e, recentemente, do livro de Christine Caldwell Ames –[4] segue sendo ainda um aspecto pouco estudado na historiografia. O assunto, todavia, é de grande relevância para o entendimento da repressão anti-herética medieval, pois revela os pressupostos que conferiram legitimidade à coerção física e à morte como pena, assim como as esferas de atuação da Igreja e do poder público no combate às heresias.

Vindicta é um dos três termos na documentação medieval para designar vingança.[5] De acordo com François Bougard, a terminologia insere-se no registro da punição, mas, ao mesmo tempo, é mais genérica e mais próxima do cotidiano judiciário.[6] Etimologicamente, a palavra significa a batuta com a qual o escravo era tocado pelo adsertor libertatis na cerimônia em que era liberto.[7] Ela deriva de vindex, termo do direito que indica “o defensor, o representante daquele que era chamado in ius e no procedimento executivo era aquele que com a manus iniectio dava afiança e impedia a detenção do condenado”[8]. Possivelmente, por um processo metonímico, o vocábulo passou a denotar a ideia de vingança, de reivindicação.[9]

O registro de vindicta estudado aqui é uma espécie de poder de justiça que Deus distribui aos seus ministros, em particular, os detentores da espada secular (príncipes, reis, duques, podestades, chefes etc.), para ser exercido contra os malfeitores, como defesa e reparação das injúrias sofridas por Ele e também pela res publica. Ao lado da vindicta material, existe ainda a vindicta espiritual, que é exercida pela Igreja. Ela compreende as sanções canônicas, como as excomunhões, as penitências e os anátemas.[10] Os prelados são ministros dos julgamentos espirituais, ao passo que os governantes são ministros dos julgamentos seculares.

A vindicta, portanto, é uma noção complexa, pois comporta vários registros. De qualquer forma, ela mantém, em todos os casos, como definiu R. Verdier, “uma ação em retorno de um mal sofrido e mais precisamente a reação de defesa contra uma agressão inicial”[11].

A defesa da vindicta contra os hereges, em particular, a pena de morte, aparece de modo constante na literatura anti-herética e teológica, principalmente entre os fins do século xii e a primeira metade do século xiii, momento marcado por posturas mais austeras no enfrentamento às heresias e por pretensões hegemônicas de alguns pontífices, em particular, Inocêncio III (1198-1216) e Gregório IX (1227-1241)[12]. Ações e punições mais duras contra os indivíduos e grupos considerados hereges e seus acolhedores foram recorridas, tais como, o estabelecimento de investigações pastorais e o abandono do condenado ao braço secular; o confronto armado – como a Cruzada contra os albigenses no sul da França (1209-1229) –; a inserção da pena de morte na legislação anti-herética, canônica e imperial; e, por fim, a criação de um organismo como a Inquisição.[13]

A heresia era definida, então, como o pior dos crimes.[14] Pela bula Vergentis in senium (1199), do papa Inocêncio III, o herege tornava-se um criminoso insuportável, por atentar contra a majestade divina.[15] Era possível, portanto, puni-lo com as mesmas penas previstas nos casos de lesa-majestade – isto é, o confisco de bens –, já praticada, e a morte. Conforme observado por Samuel Sospetti, se, antes, buscava-se a aplicação de um castigo de natureza medicinal aos hereges, com a analogia estabelecida na bula inocenciana entre crimen heresis e crimen lesae maiestati, o castigo tornava-se exclusivamente de caráter punitivo.[16] A pena de morte por heresia, contudo, só foi oficialmente introduzida pelas Constituições do imperador Frederico II (1194-1250), entre 1224 e 1239.[17]

A colaboração do poder civil no combate às heresias foi fundamental nesse contexto. O poder público, tal como foi concebido pela tradição cristã, tem a função legítima de repressão, de força, de justiça, visando à manutenção da paz e da ordem.[18] Na luta contra os hereges, o apoio do braço secular tornou-se cada vez mais necessário e incentivado pela Igreja, como é possível ver nos cânones conciliares e nas bulas papais no decorrer dos séculos xii e xiii.[19]

O tema da vindicta contra os hereges aparece em algumas obras dos frades Pregadores, agentes fundamentais na defesa e na propagação da fé católica ao lado dos frades Menores. Tais obras eram destinadas, em sua maioria, à pregação anti-herética.[20] Em consonância com as políticas papais e imperiais de repressão das heresias, esses religiosos, refutam, nesses textos, entre outros pontos, as opiniões dos hereges que condenam a perseguição e a pena de morte, bem como legitimam a coerção e a punição aplicadas aos dissidentes e a outros criminosos. Além disso, eles endossam as orientações tradicionais para um homicídio justo ou legítimo, pautado na colaboração entre as autoridades eclesiásticas e as autoridades seculares.

Este artigo tem como objetivo analisar as bases que justificam a vindicta contra os hereges, na sua forma mais extrema, a pena de morte, nas obras teológicas e heresiológicas dos frades dominicanos Rolando de Cremona (? - 1259) e Moneta de Cremona (? - 1260). Ambos fizeram parte da primeira comunidade de Pregadores do convento de Bolonha e desempenharam um papel de destaque nas memórias da Ordem, principalmente em virtude dos seus empenhos na refutação e na pregação anti-herética. Ao legitimarem a morte dos hereges obstinados e relapsos, à luz dos argumentos bíblicos e patrísticos, os dois dominicanos reforçaram a colaboração necessária entre a espada espiritual e a espada material na luta contra os inimigos da fé e na preservação do bem comum.

Do ponto de vista teórico, baseamo-nos em autores que, reconhecendo a intensificação das medidas repressivas contra os hereges e outros grupos considerados inimigos, nesse momento, tendem a questionar a visão de que a cristandade medieval teria sido uma “sociedade perseguidora”, fechada e monolítica.[21] Formas de diversidade religiosa, tanto em nível intelectual quanto prático, subsistiram na Europa medieval e, ainda que a Igreja estimulasse as ações perseguidoras, as tradições que militavam contra a violência não podiam ser totalmente negligenciadas.[22]

Na metodologia, buscamos evidenciar as similaridades dos argumentos a favor da pena de morte dos hereges nos dois frades dominicanos, considerando as especificidades de cada texto e a trajetória de ambos. Também procuramos compreender a defesa da vindicta contra os hereges nessas obras mais como a possibilidade de que tal punição fosse realizada do que a recorrência sistemática dessa penalidade. Na prática, a pena de morte foi pouco recorrida no decorrer do medievo.[23] Além disso, como mostrou Henri Maisonneuve, sabe-se que muitas das punições graves previstas aos hereges podiam ter o seu rigor atenuado, em razão, por exemplo, da colaboração do próprio condenado na descoberta de novos hereges e nos casos em que a ausência do culpado colocava em risco a morte de seus filhos ou pais.[24]

Rolando e Moneta de Cremona: Dominicanos ilustres

Rolando e Moneta de Cremona fizeram parte da primeira geração de frades Pregadores do convento bolonhês de San Nicolò delle Vigne.[25] Ali foram realizados os primeiros capítulos gerais (1220-1221) da Ordem e o processo de canonização de Domingos (1234), fundador da congregação. É possível que o convento de Bolonha tenha funcionado também como um pólo voltado para a preparação e a formação anti-herética, visto que os tratados dominicanos de refutação das heresias que hoje temos notícias são todos provenientes de religiosos que passaram por lá.[26]

O empenho anti-herético constituiu-se como um dos elementos fundamentais da Ordem dos Pregadores desde o seu início, o que já aparece nos primeiro documentos da cúria papal.[27] O novo tipo de pregação, fundado por Domingos juntamente com seu bispo Diego de Osma, em 1206, baseado na humildade e na mendicidade evangélica, visava combater a “contaminação” herética no Languedoc.[28] Além da pregação e da ascese apostólica, Domingos também participou de debates públicos contra os hereges.[29] Anos depois, nas décadas de trinta e quarenta, alguns dominicanos foram incubidos pelo papa Gregório IX de investigar e julgar hereges; tarefa, então, exclusiva dos bispos.[30]

Os nomes de Rolando e Moneta de Cremona figuram nas narrativas hagiográficas da Ordem e nos catálogos dos seus homens ilustres,[31] registros que evidenciam a importância de ambos para a congregação. Os dois frades possuem uma trajetória de vida bastante semelhante: nasceram em Cremona, no fim do século XII; eram mestres em Artes, de notória fama, conforme nos informa Gerardo de Fracheto nas Vitae Fratrum; tomaram o hábito dominicano no mesmo ano – Moneta em 03 de agosto e Rolando em setembro de 1219 –; participaram ativamente da expansão da Ordem – em 1228, fundaram, juntos, o convento de são Guglielmo, primeiro assentamento dos Pregadores em Cremona –[32]; e desempenharam a função de lector conventual em Bolonha.

Rolando de Cremona é mais conhecido por ter sido o primeiro mestre dominicano a obter uma cátedra de Teologia em Paris, em 1229, em meio à grave greve universitária que durou até 1231.[33] Antes de retornar ao seu antigo convento bolonhês, em 1233, o frade passou alguns anos no convento de Toulouse, onde lecionou Teologia, pregou e lutou contra os hereges da localidade.[34] Ele é considerado o pioneiro do aristotelismo, demonstrando um vasto conhecimento sobre as obras de Aristóteles.

Por sua vez, Moneta de Cremona, ao que parece, fez a sua formação teológica no próprio convento de Bolonha, antes de lecionar Teologia, anos depois, no mesmo lugar.[35] Não existem registros de que tenha se deslocado para outras universidades, com o objetivo de estudar a ciência sacra como fez seu confrade. Alguns autores do século xvii sustentaram que Moneta estudou Teologia em Paris, mas trata-se, possivelmente, de uma confusão com Rolando. Entre 1233 e 1241, o frade exerceu ainda a função de prior do convento de Mântua.

Tanto Rolando como Moneta estiveram bastante engajados na refutação e na pregação anti-herética. Sabe-se que o fervor anti-herético de Rolando quase lhe custou a própria vida. Em 1233, ele sofreu uma tentativa de assassinato na catedral de Piacenza enquanto pregava.[36] Um relato semelhante ao de Rolando é descrito pelo editor da suma anti-herética de Moneta. De acordo com Ricchini, o frade foi também alvo de uma emboscada, pouco tempo depois de ter se tornado inquisidor na cidade de Milão.[37] Não existem, porém, documentos que mencionem o episódio, sendo encontrado apenas nas notícias provenientes dos autores modernos.

Tradicionalmente, os dois dominicanos foram considerados inquisidores pela maior parte da historiografia. Todavia, em relação a Moneta, não existe qualquer indício na documentação que confirme o seu envolvimento no officium fidei. No que diz respeito a Rolando, ainda que, por diversas vezes, tenha dirigido funções de natureza inquisitorial, delegadas pelos papas Gregório IX (1227-1241) e Inocêncio IV (1243-1254), jamais foi nomeado “inquisidor”[38]. Ambos, no entanto, estiveram bem afinados com as políticas papais e imperiais de repressão das heresias, oferecendo, em suas obras, as bases teóricas para uma vindicta legítima, pautadas em argumentos bíblicos e patrísticos.

 

Postilla in Iob (1229-1230) e Summa teológica (1229-1234)

São atribuídas a Rolando de Cremona a Postilla in Iob e uma grande Summa teológica, sua obra principal. É possível, além disso, que o frade seja o autor de um sermão para a Quinta-feira Santa. Para o estudo ora proposto, nos centraremos nos dois primeiros escritos do teólogo, por conterem o tema de nosso interesse.

A Postilla in Iob é um comentário exegético sobre o livro de Jó, composto no período em que Rolando esteve em Paris, entre 1229 e 1230. Atualmente, ela é conservada num único manuscrito na Biblioteca Nacional de Paris (Ms. lat. 405). Aparentemente, o escrito teve uma circulação limitada no medievo. Há um largo espaço dedicado à refutação das heresias nessa obra. No entanto, conforme observado por Riccardo Parmeggiani, o comentário exegético do dominicano aproxima-se dos tratados controversos apenas no que diz respeito ao seu aspecto substancial, mas não em seu aspecto formal.[39]

Já a Summa teológica, chamada de Liber quaestionum por Rolando, é considerada a obra maior do teólogo dominicano.[40] Supõe-se que ela foi composta entre 1229 e 1234. Nesse momento, o frade se encontrava em Toulouse e, a partir de 1233, em Bolonha. O dominicano Estevão de Salaniaco, em 1270, fez referência à suma rolandiana: “Summam quam [Rolandus] fecit philosophiae sale condivit[41]. Assim como o comentário exegético, a Summa não tem como objetivo principal a refutação das heresias. É possível, entretanto, ver nalguns capítulos, um caráter polêmico acentuado, especialmente nas questões relacionadas aos hereges.

 

Summa Adversus Catharos et Valdenses (1241-1244)

O tratado, conhecido como Summa Adversus Catharos et Valdenses, de Moneta de Cremona, redigido entre 1241 e 1244, é uma longa obra de refutação anti-herética. É possível que a sua redação tenha ocorrido no período em que o frade era lector do convento de Bolonha.

A obra, composta por cinco livros, conheceu uma grande fortuna no medievo. Ela serviu como fonte de informações das crenças heréticas a pregadores, inquisidores e interessados em geral na refutação das heresias. O número de cópias conservadas atualmente demonstra uma difusão considerável do tratado até o fim da Idade Média: quatro manuscritos do século xiii, dois manuscritos do fim do século xiii e início do xiv, três manuscritos do século xiv e quatro manuscritos do século xv.[42]

Além da Summa anti-herética, atribui-se a Moneta um tratado filosófico intitulado “Compendium logicae propter minus eruditos”, hoje desaparecido. Todavia, o conhecimento filosófico do frade cremonês pode ser observado na obra heresiológica, em que ele se mostra bastante familiarizado com o pensamento de filósofos cristãos, gregos, árabes e judaicos.[43]

Assim como feito à Summa de Rolando, o dominicano Estevão de Salaniaco também fez menção ao tratado do heresiólogo: “Fr. Moneta, natione Lombardus qui contra machinationes hereticorum maximam et validissimam summam scripsit[44].

Nos três escritos, o tema da vindicta contra os hereges, em particular, a pena de morte, ocupa grande atenção dos frades. Nas obras de Rolando, o assunto surge em capítulos dispersos, mas o essencial pode ser encontrado na Summa, nas partes dedicadas ao mandamento Não matarás (De illo: Non occides), ao julgamento (De iuditiis) e à parábola do joio e do trigo em Mateus 13,24-30 e 36-43 (De zizania). Escrevendo mais de dez anos depois de Rolando, Moneta também toma a interdição bíblica Não matarás como chave de discussão da pena de morte num dos maiores capítulos do seu tratado anti-herético (De isto mandato: Non occides; et unde probent Haeretici persecutionem, et vindictam esse illicitam).

Os dois dominicanos recorrem ao mandamento bíblico para discutir a vindicta, em resposta às opiniões dos valdenses e dos cátaros – os dois principais grupos heréticos do século xiii –, que condenavam o homicídio e outras formas de coerção física. Ambos os hereges censuravam a perseguição, a guerra e a pena de morte, amparando-se em diversas passagens evangélicas, entre elas: “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, beneficiai os que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e vos caluniam” (Mateus 5,44-45). De acordo com eles, a Igreja romana não era a verdadeira igreja de Deus, porque nem Cristo nem seus discípulos praticaram a perseguição, mas, ao contrário, foram perseguidos.[45] Com base nisso, acreditavam ser os “verdadeiros cristãos”, herdeiros da verdadeira igreja de Deus, pois sofriam tribulações, assim como Cristo e seus apóstolos: “Beatos os que sofrem sem se afastarem da justiça” (Mateus 5,10); “Beatos sois quando vos maldizem, vos perseguem e dizem-vos toda sorte de mentiras” (Mateus 5,11)[46].

 

Hereges: os destruidores da Igreja e do bem comum

Embora possam se diferenciar no tom polêmico, o que se explica pela tipologia das obras e pela personalidade de cada um, Rolando e Moneta concordam que os hereges têm uma natureza devastadora e criminosa. Os adversários, segundo eles, rompem a unidade religiosa – ao afastarem os fiéis da Igreja ou do serviço divino – e, ao mesmo tempo, desfazem a unidade laica – o bem comum –, por não aceitarem os valores sociais, entre os quais, a justiça secular, agindo, assim, contra a paz e a tranquilidade.

De acordo com Rolando, entre todos os pecados, a heresia é o pecado mais grave; e os hereges, os pecadores que mais destroem a Igreja.[47] Para representá-los, o dominicano faz uso de um rico conjunto de metáforas zoomórficas (lobos, dragões, raposas, cães raivosos, gafanhotos, burros selvagens, serpentes, macacos etc.), principalmente de veio patrístico.[48] Vê-se ainda o uso de metáforas médico-patológicas – tais como a referência ao cancro, à lepra, à raiva canina, à peste e ao veneno – e de metáforas vegetais–, a fim de transmitir o caráter nocivo e perigoso dos adversários.[49]

A origem diabólica da heresia é outro tema muito marcante nos textos do teólogo dominicano, principalmente no comentário exegético. Motivo presente na literatura anti-herética dos primeiros séculos, a associação do herege ao Diabo é, no século xiii, um topos nas fontes teológicas e heresiológicas. Conforme assinalado por Giovanni Grado Merlo, a demonização dos hereges, nesse momento, é um processo funcional à ação repressiva, pois justifica o recurso à violência.[50] A natureza demoníaca é observada, por exemplo, nas expressões empregadas por Rolando ao se referir aos adversários: filii ignobilissimi diaboli, servi diaboli, predicatio hereticorum a diabolo venit etc.[51]

O discurso anti-herético de Moneta, por sua vez, tende a ser menos bestial e demonizante quando comparado com o de seu confrade, Rolando, o que não significa que seja menos violento. A percepção destruidora e repulsiva das heresias é fortemente marcada no prólogo da suma heresiológica, sendo os hereges nomeados “abominação da desolação”, uma expressão que remete aos sinais do fim dos tempos.[52]

Além de preferir definir os adversários com base nos versículos bíblicos, alguns deles já tradicionais na polêmica anti-herética – “espíritos enganadores” de 1 Timóteo 4,1; “indoutos e instáveis” de 2 Pedro 3,16; e “soberbos que nada sabem” de 1 Timóteo 6,3-4 –, Moneta utiliza expressões como “razões fantásticas” para transmitir a ideia de que as crenças dos hereges são fábulas, fantasias, sonhos. Ele também recorre a metáforas que remetem ao contágio e à letalidade para descrever a ação perigosa e mortal dos hereges, como a lepra, a gangrena e o veneno: “Além disso, os hereges, agitados pelo veneno da perfídia, esforçam-se em provar, que os Pontífices Romanos, e quem os aderem, não são sucessores de Pedro, mas de Constantino...”[53].

De um modo geral, é possível identificar, nas obras de Rolando e de Moneta, o que podemos chamar de três concepções sobre os hereges: a teológica/exegética, a eclesiológica e a social/jurídica.

A primeira concepção, a teológica/exegética, aproxima-se do próprio conceito etimológico da palavra heresia (hairesis), “escolha”, e é fortemente influenciada pela definição de heresia de Agostinho e de Jerônimo. Para Moneta, a ruptura dos dissidentes com a Igreja surge de uma interpretação errônea que fazem dos textos sagrados. Por diversas vezes, encontramos, no tratado anti-herético, passagens que exprimem a exegese bíblica incorreta dos adversários: “Entendes mal, herege”[54]; “Que não se deve orar por causa dos mortos, esforçam-se alguns hereges em demonstrar pelos testemunhos das Escrituras, os quais não entendem”[55].

Do mesmo modo, para Rolando, a falta de entendimento dos hereges a respeito do que leem e o fato de não quererem entender o que leem é a causa da heresia: “Todos os infiéis leem e não entendem. Os judeus leem e não entendem, nem querem entender; semelhantemente fazem os sarracenos e, principalmente, os hereges”[56]. A opinião agostiniana da heresia como pertinax error é recorrida, mais de uma vez, na Summa, ao passo que a ideia do vício de Jerônimo como fundamento da heresia, em particular, a superbia, ganha um grande espaço na Postilla.[57]

Da concepção exegético-teológica, tem-se a concepção eclesiológica dos hereges. Em Rolando, ela pode ser traduzida na metáfora dos dois corpos místicos distintos: o corpus Christi e o corpus Leviatan: “(...) o corpo do Leviatã é a igreja dos maus, assim como o corpo de Cristo é a igreja dos justos”[58]. Essa visão binária também é encontrada em Moneta. Para provar aos hereges que Igreja de Deus é a Igreja romana, ele recorre à ideia da duplex Ecclesia do livro de Salmos (149,1; 25,5):

“Existem duas Igrejas neste mundo, segundo os testemunhos das Escrituras: uma é a Igreja dos Santos, da qual lemos no Salmo 149,1: Cantai ao Senhor um cântico novo, e o seu louvor na Igreja dos Santos. A segunda é a Igreja dos Maus, da qual lemos que o Espírito Santo disse através de Davi no Salmo 25,5: Odeio a Igreja dos maus...”[59].

Conforme o frade heresiólogo, há uma Igreja dos Santos (Ecclesia Sanctorum), a Igreja romana, e uma Igreja dos Maus (Ecclesia Malignantium), a Igreja dos hereges. A primeira é uma congregação de fiéis (congregatio fidelium), baseada na fé e nas boas obras, os dois elementos fundamentais que consistem na ecclesia.[60] A fé da Igreja romana é testemunhada pela Lei e pelos profetas, o que não ocorre na Igreja dos Maus, isto é, a Igreja dos hereges.

A duplex Ecclesia de Moneta corresponde aos dois corpora de Rolando. A ecclesia, como congregação dos fiéis, também foi chamada de corpus Christi pelos teólogos medievais.[61] Da mesma forma, o epíteto Ecclesia Malignantium era entendido, tradicionalmente, como a Igreja do Diabo ou Sinagoga de Satanás. Ainda que Moneta não faça menção direta à figura do Diabo, está implícito que a congregação dos maus, ou seja, a Igreja dos hereges, é inspirada por ele.

Por último, tem-se o que podemos chamar de concepção social/jurídica dos hereges. Eles são alçados ao mesmo campo que os demais malfeitores (ladrões, rapineiros, assassinos, falsários, adúlteros etc.), porém ocupam o mais alto dos crimes. Nesse ponto, Rolando é mais direto. De acordo com ele, entre os pecadores, é contra os hereges que a espada de César deve ser mais utilizada, pois eles são os mais desonrados, os mais maléficos dos maléficos; e os seus crentes, os piores homens do mundo.[62] Tal percepção dos hereges deve-se à natureza pública do crime de heresia contida na herança romanista, mas, principalmente, à Vergentis in senium, do papa Inocêncio III, que fixou a analogia entre heresia e a lesa-majestade eterna. A punição aplicada aos hereges irreconciliáveis – os obstinados e os reincidentes – devia corresponder ao mesmo grau do seu crime: a pena de morte. Era necessário extirpá-los da Igreja de Deus e da sociedade.

Considerando que à Igreja, na prática, era proibido o derramamento de sangue, as autoridades seculares (reis, príncipes, duques, podestades e demais chefes) deviam ajudar as autoridades eclesiásticas na perseguição dos hereges e na sua punição, sob pena de sofrerem sanções espirituais e temporais por parte da Igreja, conforme estabelecido nos cânones conciliares e nas bulas papais no decorrer dos séculos XII e XIII.[63]

 

As duas espadas (Lucas 22,38)

Na luta contra os destruidores da Igreja de Deus e da ordem social, tanto Rolando quanto Moneta ressaltam, em seus escritos, a necessidade da colaboração entre a Igreja e as autoridades seculares. Para mostrar a importância da cooperação entre os dois poderes – espiritual e temporal – na repressão dos hereges, os dois dominicanos recorrem à tradicional passagem das duas espadas de Lucas 22,38: “E eles disseram: Senhor, eis aqui as duas espadas. E ele lhes disse: Basta”.

Desde são Bernardo (1090-1153), as duas espadas do versículo de Lucas eram entendidas, alegoricamente, como sendo o poder eclesiástico e o poder secular.[64] Ao interpretarem o texto evangélico, no entanto, os dois frades Pregadores consideram a pregação como uma das espadas ditas por Cristo aos discípulos naquele episódio, seguindo, portanto, a exegese dominicana já tradicional da passagem que designava a espada ou gládio espiritual como a palavra de Deus.[65]

Rolando chama de “espada do Evangelho” a espada utilizada pela Igreja, e, mais especificamente, pelos Pregadores. A “espada de César”, por sua vez, é de uso das autoridades seculares. Ambas são necessárias à Igreja: “E do mesmo modo que a espada do Evangelho separa a alma da carnalidade espiritualmente, assim a espada de César deve separar as almas dos malfeitores dos corpos”[66].

Semelhantemente ao seu confrade, Moneta chama a palavra de Deus, a pregação, de “espada espiritual”. Ela é a espada que os Pregadores utilizam. De acordo com ele, a fim de que os Pregadores possam usar bem da sua espada, é necessário que a espada material, manuseada pelas autoridades seculares, promova a paz e puna:

“Daí também o Senhor diz a respeito dessas coisas, ‘que são chamados benfeitores’ (Luc. 22,25). Por quê? Porque fazem grande bem aos homens, mantendo-os em paz, dando a cada um o que é merecido; com efeito, a espada material ajuda a espiritual, isto é, a pregação; então, de fato, os Pregadores podem usar da sua espada; aliás, poderiam usar mal dela. Por causa disso, embora tenha sido dito (Luc. 22,38): ‘Eis aqui duas espadas’. O Senhor respondeu: ‘É o suficiente’. Na Igreja, de fato, duas espadas são suficientes, a saber: a material e a espiritual”[67].

A palavra de Deus é, portanto, para os dois frades, o gladium que os Pregadores virilmente portam na batalha contra as heresias.[68] O espírito de combate presente nos escritos dos dois religiosos revela a visão que os dominicanos nutriam a respeito da Igreja em face dos hereges e de si mesmos como membros de uma Ordem que, gradualmente, se tornará protagonista do officium fidei. Rolando e Moneta apresentam-se como membros de uma milícia de Cristo na luta contra os inimigos da Igreja. Isso se verifica ainda no vocabulário repleto de conotações bélicas empregado por ambos (“espada”, “combater”, “armas”, “atleta”).

O confronto contra os inimigos é encarado numa perspectiva profético-apocalíptica pelos dois frades. Para ambos, os hereges são os “falsos profetas” de 2 Pedro 2,1: “Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos doutores, que introduzirão disfarçadamente seitas perniciosas...”[69].

Outra passagem que reforça o espírito guerreiro dos frades é quando Rolando, na Postilla in Iob, recorre à alegoria dos gigantes para mostrar a elevada habilidade que os strenuissimi milites Christi têm na arte da guerra, competência resultante da plena instrução nas sagradas Escrituras oferecida por Cristo: “Mestres da guerra, sabem combater contra o mundo, contra a carne, contra os demônios e contra todo o vício”[70].

Do mesmo modo, é latente, no tratado de Moneta, a ideia de que os frades são doutos nas coisas divinas. Para endossar isso, logo no prólogo do tratado, o heresiólogo recorre a Mateus 13,52: “Todo escriba douto no reino dos céus é como o Pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e antigas”. Segundo ele, o “reino dos céus” significa a Igreja de Deus. O “tesouro” representa a doutrina sagrada, sobre a qual o escriba douto (os Pregadores) tira os testemunhos do Novo e do Velho Testamento, para a refutação haereticae pravitatis e para a corroboração catholicae Fidei.[71] Dualizando com os doutos da Igreja – os Pregadores –, encontram-se os não doutos, isto é, os hereges, que não compreendem os textos sagrados, conforme II Pedro 3,16: “os não doutos e os instáveis pervertem, e assim como as outras Escrituras, para sua própria perdição”.

Ainda que os dois dominicanos façam uma exegese magisterial do gládio da Igreja, no que tange, especificamente, à passagem do texto de Lucas, o entendimento coercivo das duas espadas também está presente no pensamento de ambos. Eles reconhecem que a Igreja detém a espada espiritual, tendo o direito de aplicar penas espirituais, entre as quais, a excomunhão e a penitência. Além disso, detém a espada temporal, possuindo o direito de fazer coerções físicas. Um exemplo disso é a exegese que Moneta faz do episódio em que Cristo expulsa os mercadores do templo com chicotes (João 2,15) e a punição com a morte feita por Pedro aos fraudadores do campo, narrado em Atos 5,1-5. Para o heresiólogo, tais passagens bíblicas provam que os pastores (papa, bispos, frades) da Igreja podem fazer a “perseguição justa” contra os lobos (hereges) que ameaçam as ovelhas (fiéis) e até matar.[72]

O direito da Igreja de fazer coerções físicas, em particular, a pena de morte, é também defendido por Rolando. No capítulo da Summa intitulado De iuditiis, ele diz que o julgamento de efusão de sangue devia ser exercido na Igreja.[73] O teólogo afirma que o preceito de Êxodo 22,18, “Não permitas que os maléficos vivam, não foi somente observado pelos juízes seculares, mas ainda pelos sacerdotes do Antigo Testamento e, principalmente, do Novo Testamento.[74] Moisés e outros personagens são tomados como exemplos de sacerdotes que mataram por zelar a justiça. O dominicano cita o episódio em que Moisés matou milhares com a espada, juntamente com os filhos de Levi (Ex. 32,26) e o episódio em que ele matou um egípcio (Ex. 11,12). Do Novo Testamento, Rolando faz menção a Simão Pedro, considerado bispo por ele.[75] O dominicano lembra que ele desembainhou a espada e cortou a orelha do servo do sumo sacerdote (João 18,10). De acordo com o teólogo, quem está preparado para cortar uma orelha também está preparado para matar.[76] Além disso, assim como Moneta, Rolando faz referência ao episódio em que Pedro matou, por meio de suas palavras, o casal de fraudadores do campo, Ananias e Safira (Atos 5,5)[77].

Todavia, apesar de defenderem o direito coercitivo material da Igreja, tanto Rolando como Moneta reconhecem que esse direito não se aplica jamais ao seu uso. Na prática, as sentenças e as ações envolvendo a coerção física emitidas pelas autoridades eclesiásticas contra os hereges, bem como outras medidas coercitivas contra os malfeitores de um modo geral, deviam ser executadas pelo braço secular, pelos ministros instituídos por Deus para esse fim. Isso é bastante claro no texto dos frades pela argumentação que oferece ao tema do mandamento “Não Matarás”, nutrida por diversas referências escriturísticas a respeito da legitimidade do uso da espada secular pelos príncipes, reis e demais autoridades seculares.

 

A vindicta contra os hereges

Entre os dois frades dominicanos, é Moneta quem esboça uma definição para a vindicta, ainda que imprecisa. Ele a define como um tipo de perseguição: “nunc videamos de vindicta, quae est una persecutionis species...”[78]. Entre as perseguições, a vindicta é associada ao homicídio, à matança, à morte. Ela realiza-se tanto na guerra como na sentença aplicada aos hereges e a outros malfeitores.

Rolando, por sua vez, não faz distinção entre persecutio e vindicta, destacando somente essa última em suas obras. Ele emprega o termo vindicta quase sempre associado à pena de morte dos hereges, ao passo que Moneta tem em mente outros tipos de criminosos, não se limitando apenas aos hereges. Vale ressaltar que Rolando é o primeiro autor a mencionar, explicitamente, o suplício do fogo, o que não faz Moneta.[79] A vindicta, portanto, para os dois dominicanos, é a vindicta mortis, embora, em alguns momentos, o termo possa abarcar outros tipos de punições.[80]

Seguindo a tradição patrística sobre o assunto, retomada pela polêmica anti-herética dos séculos xii e xiii, Rolando e Moneta sustentam que o mandamento “Não Matarás” não significa que não se deva nunca matar, como defendiam os hereges, assim como outros indivíduos – chamados de “incorretos na fé”[81] por Rolando e de “ignorantes”[82] por Moneta. Os dois dominicanos concordam que a proibição do homicídio em Êxodo 20,13 e em Mateus 5,21 é direcionada àqueles que não têm jurisdição para punir. Somente quem é constituído por um poder superior e legítimo, isto é, um poder vindo de Deus, pode fazer a vindicta contra os malfeitores. Nesse sentido, as autoridades seculares (reis, príncipes, duques etc.) foram constituídas por Deus para o exercício de tal função.

Para mostrar o caráter lícito da vindicta executada pelas autoridades seculares, além de Lucas 22,38, os dois frades se baseiam em outras passagens bíblicas, entre elas; Êxodo 22,18: “Não permitas que os maléficos vivam”; 1 Pedro 2,13-14: “Sujeita-vos, pois, a toda a ordenação humana por amor do Senhor, quer ao rei, como superior; quer aos governantes, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem”; Romanos 13,4: “Não porta a espada sem motivo”; Lucas 19,27: “Trazei-os e matai-os diante de mim”; Atos 25,11 – episódio em que o apóstolo Paulo apela a César –; e a parábola do joio em Mateus 13,24-30 e 36-43. Ambos tendem a fazer uma exegese literal do conjunto das autoridades bíblicas recorrido, ainda que também empreguem uma leitura alegórica, como é o caso de Lucas 22,38, sobre as duas espadas.

A escolha das passagens escriturísticas para provar a legitimidade da pena de morte nos textos dos dois dominicanos leva em consideração os livros bíblicos utilizados pelos adversários, visto que os cátaros desconsideravam grande parte dos textos do Antigo Testamento. Por exemplo, no intento de mostrar que os hereges são os maléficos por excelência e que o Novo Testamento dá testemunhos de que seja lícito matar os malfeitores, Rolando recorre a 1 Pedro 2,14, “Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens...”, para mostrar que os “malfeitores” invocados por Pedro são os “maléficos” de Êxodo 22,18: “Não permitas que os maléficos vivam”[83]. O teólogo usa essa estratégia associativa por saber que os hereges não reconheceriam a passagem veterotestamentária de Êxodo 22,18. Tal procedimento pode ser encontrado em Moneta quando o próprio reúne argumentos específicos para cada grupo de hereges, expostos geralmente pelas fórmulas: “Contra aqueles que defendem os dois princípios, podes dizer isso”[84], “A solução contra os valdenses é esta”[85], entre outras.

Como típico dos teólogos do século xiii, os dois frades compartilham algumas metáforas bíblicas para reforçar o caráter legítimo da pena de morte dos hereges: eles são os lobos rapaces (Mateus 7,15 e Atos 20,29), as raposas que invadem as vinhas do Senhor (Cânticos 2,15) e o joio que ameaça o trigo (Mateus 13,24-30 e 36-43)[86]. O emprego dessas metáforas bíblicas é um metódo heresiológico eficaz, para convencer os fiéis a respeito do caráter destrutivo da heresia, reforçar a fé católica e mobilizá-los na luta contra os hereges. Por outro lado, elas corroboram para os pressupostos da perseguição e da pena de morte, quando inevitável.

A percepção sobre a legitimidade da vindicta é mais bem desenvolvida no tratado anti-herético de Moneta. O frade buscou sistematizar a tradição bíblica e patrística sobre o assunto. Toda a segunda parte do capítulo sobre o mandamento “Não Matarás” é dedicada a provar o caráter lícito do uso da espada material e da vindicta contra os hereges e os demais malfeitores. Baseando-se em Romanos 13,21, “O poder não vem senão de Deus”, o polemista argumenta contra os hereges que a dominação dos príncipes seculares vem de Deus, assim como a vindicta que exercem. Desse modo, a vindicta material não é pecado; ao contrário, ela é lícita e necessária à Igreja.[87] Os governantes seculares, ministros de Deus, foram enviados para a vindicta dos malfeitores e louvor dos bons, conforme 1 Pedro 2,13-14.[88] Sendo a ordenação secular de Deus, os indivíduos devem sujeitar-se ao seu poder, como se lê em Romanos 13,1: “‘não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus’. Porque ela é ministro de Deus para o teu bem”[89].

Tanto Rolando como Moneta defendem a ideia de que, se os hereges não fossem punidos pelo braço secular, a res publica pereceria, e, assim, a igreja.[90] A ausência da justiça secular, bem como a sua colaboração com as autoridades eclesiásticas, acarretaria muitos males à Igreja e à sociedade. Os governantes seculares são encarregados por Deus de zelar por uma vida pacífica e tranquila, salvaguardando a República de toda perseguição, punindo os malfeitores e preservando os bons em seu estado e direito.[91] Nesse sentido, deve-se preferir a morte de um herege (quando ele é digno de morte), ainda que haja possibilidade de conversão futura:

“Além disso, se me disseres a respeito de algum herético que é punido pelo Juiz: talvez ainda será convertido.

Respondo: Não sei o que sucederá; vejamos a respeito do presente se é digno de morte ou não, e se deve ser morto ou não, e assim poderá ser retirado, além da sua questão, e virão às Escrituras pela qual poderá ser provado que o homem digno de morte é morto pelo Juiz sem pecado que não matou o próprio por ódio, mas por amor à justiça, pela qual é providenciada para utilidade da república, mas a utilidade para a república é melhor do que a própria utilidade dela, e por isso deve ser mais escolhida; assim como os danos de muitos, isto é, de toda a república, é pior e mais danosa do que o dano de um só, porque mais se deve precaver, e por isso é da vontade do supremo Juiz que o réu de morte seja morto pelo ministro dele, ordenado pelo próprio, servindo-lhe nisto” (Romanos 13,6)[92].

A punição, nesse contexto, assume um caráter exemplar. Alguns devem ser mortos para que outros se convertam: “(...), portanto, a morte de um único homem realizada por Deus é feita para a correção de outro. Vês, portanto, que a vindicta não se faz para a correção do que padece”[93]. A punição com a morte tem um caráter exemplar aos demais, pois o medo da morte iminente faz com que muitos se convertam.

A vindicta exercida pelo poder civil deve ser feita por amor à justiça. Moneta ressalta essa recomendação, já feita por Agostinho, e muito presente na literatura anti-herética e nos escritos teológicos que trataram da pena de morte. O príncipe que aplica a vindicta ao herege e a outros malfeitores apenas peca quando age por ódio (homicídio de coração) ou por má intenção. Conforme o frade, a dileção humana deve imitar a dileção divina. O juiz deve imitar Deus. A dileção, porém, não deve excluir a vindicta dos inimigos. Deve-se amá-los por afeição do coração e odiá-los por afeição da vindicta:

“o preceito de dileção é pertinente mais à dileção e benevolência do coração, e não ao afrouxamento da impunidade, mas como sofremos pela perdição dos inimigos, desejamos a salvação deles, esforcemo-nos pela correção deles, e rezemos”[94].

O imperativo “Não Matarás” é, além disso, entendido pelos dois frades dominicanos como uma interdição às autoridades seculares na execução dos inocentes. O herege só pode ser morto desde que comprovado o crime de heresia, o mesmo valendo para outros tipos de crimes. Essa ideia aparece quando Moneta analisa o episódio em que Cristo enumera os mandamentos, após ser indagado por um príncipe sobre o que deveria fazer para ter a vida eterna (Marcos 10,17 e Lucas 18,28). De acordo com o polemista, o “Não matarás” dito por Cristo, naquele contexto, referia-se à morte dos justos, conforme Êxodo 23,7: “Não matarás o inocente e o justo, porque detesto o ímpio”.[95] A proibição de se matar um inocente também está presente na exegese da parábola do joio (Mateus 13, 24-30 e 36-43) feita pelos dois dominicanos.

 

A parábola do joio (Mateus 13,24-30 e 36-43)

Para demonstrar que a vindicta contra os hereges é legítima, uma das passagens bíblicas recorridos pelos dois frades é a parábola do joio em Mateus 13,24-30 e 36-43. Rolando e Moneta oferecem uma interpretação da perícope num momento em que a imagem do joio era empregada de modo funcional na luta anti-herética, destacada do seu contexto evangélico, conforme observou Maria Teresa Dolso.[96]

No geral, os dois frades concordam que, quando danoso ao trigo, o joio não deve ser tolerado. Todavia é necessário proceder com cautela, porque, ao arrancar o joio, talvez o trigo possa ser erradicado juntamente, isto é, um inocente possa ser morto. Baseando-se na premissa agostiniana “hoje, de fato, é herético; amanhã pode ser católico”, tanto Rolando como Moneta consideram ainda que, nos casos em que haja dúvida ou que queira o herege retornar à Igreja, ele não deve ser morto. Descartadas as incertezas sobre o joio, deve ser arrancado, ou seja, não querendo o herege retornar à fé católica, ele deve ser morto.[97] Por isso, é lícito arrancar o joio “quando o crime for conhecido e o juiz não tiver dúvidas, nem junto com ele arrancar um inocente”[98].

De acordo com Rolando, os anjos-cefeiros da parábola de Mateus são os bispos e as autoridades seculares. Os primeiros devem cortar o joio com a foice da excomunhão, ou com a foice da sua sentença, porque lhes competem julgar se são hereges, enquanto os segundos devem oferecer ao joio a espada material.[99] O momento da ceifa, isto é, a morte do réu, deve ocorrer logo após o julgamento dos bispos.

Do mesmo modo, Moneta ressalta os âmbitos de atuação de cada poder. Numa das interpretações feitas da parábola, ele identifica os clérigos e as autoridades seculares aos servos da narrativa evangélica. Contudo, a erradicação do joio, isto é, a morte de um herege ou de outro malfeitor, é proibida aos primeiros servos, não sendo vetada aos segundos.[100] Os clérigos devem fazer a erradicação espiritual, conforme 1 Coríntios 5,5 e 1 Timóteo 1,20.

A exegese da parábola do joio feita pelos dois dominicanos revela ainda a posição de ambos sobre a conversão dos hereges. Tanto Rolando como Moneta são pessimistas quanto ao retorno de seus inimigos à Igreja católica. Essa posição de Rolando é revelada, principalmente, na Postilla in Iob, em que diz que os Pregadores não podem e não devem disputar dogmaticamente com os hereges, porque tal discussão não é possível.[101] Os adversários, em particular, os dualistas, negam os artigos da fé, o que, segundo o frade, torna impraticável qualquer tentativa de persuasão. Os hereges são irrecuperáveis, porque incapazes de se libertarem do Diabo.[102]

Como Rolando, Moneta tem as mesmas dúvidas sobre a recuperação dos hereges. Questionado pelos opositores sobre a possibilidade de uma futura conversão de um herege que é morto pelo juiz, ele mantém um posicionamento cético, sustentando que é possível ver os danos da subversão causados pelos dissidentes, mas que não se vê a sua conversão, porque “rara, incerta, difícil”[103]. Assim, deve-se preferir o grande bem, isto é, a República, à duvidosa conversão futura de um herege.

Considerações Finais

A vindicta contra os hereges, especialmente em sua forma extrema, a pena de morte, foi um tema relevante nos escritos anti-heréticos da primeira metade do século xiii. Nas obras de Rolando e Moneta de Cremona, é possível ver os esforços dos dois dominicanos para mostrar, baseando-se principalmente nas Escrituras, mas também em premissas patrísticas sobre o uso da força, a legitimidade da coerção espiritual e física da Igreja – ainda que essa última fosse sujeita ao braço secular – e o caráter lícito da vindicta aplicada aos hereges pelas autoridades civis. Ambos os poderes, no âmbito das suas esferas de atuação, são responsáveis pela res publica e devem empenhar-se conjuntamente na defesa da unidade social e religiosa.

A justificação da pena de morte dos hereges nesses textos revela ainda o contexto repressivo no qual os indivíduos e grupos considerados heréticos estavam submetidos. De fato, é na primeira metade do século xiii que a mobilização contra as heresias, reais ou fabricadas, ganha contornos mais efetivos. A violência contra os hereges, entretanto, pode ser observada também nas imagens invocadas para defini-los (metáforas zoomórficas, vegetais, patológicas, demoníacas etc), como visto nas obras de Rolando e Moneta.

As bases, sobretudo bíblicas, que conferem legitimidade às ações repressivas e punitivas da Igreja e do Estado estavam dadas.



[1] Este artigo incorpora resultados da tese de Doutorado intitulada “Polêmica anti-herética e Repressão: perseguição e vindicta contra os hereges na Summa Adversus Catharos et Valdenses, OP”, realizada na Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Paula Tavares Magalhães, e com o apoio financeiro da FAPESP. Processo: 2016/08496-3.

[2] É o caso do colóquio “La vengeance, 400-1200”, ocorrido em Roma, entre 18 e 20 de setembro de 2003. François BOUGARD, Dominique BARTHÉLEMY, Régine LE JAN (dirs.), La vengeance 400-1200, Rome, École Française de Rome, 2006.

[3] Caterina BRUSCHI, “Detur ergo Sathane. Il tema della vindicta nel Liber supra Stella di Salvo Burci”, Mélanges de l'Ecole française de Rome, t. 112, 1 (2000), pp. 149-182.

[4] Christine Caldwell AMES, Righteous Persecution: Inquisition, Dominicans, and Christianity in the Middle Ages, University of Pennsylvania Press, 2009.

[5] Os outros dois termos sinônimos são ultio e faida. A ultio ocupa o mais alto degrau da vingança: refere-se à majestade divina ou secular. A faida, por sua vez, não se trata mais da justiça no sentido institucional, mas configura-se como reguladora de conflitos. Ela pode ser definida, conforme propõe Jérôme Baschet, como um código de honra entre os senhores, que se baseia num dever de vingança, não se limitando apenas aos crimes de sangue, mas também aos ataques contra os bens. Jérôme BASCHET, A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América, São Paulo: Globo, 2006, p. 113.

[6] François BOUGARD. op. cit., pp. 3-4.

[7] Celestina MILANI, “Il lessico della vendetta e del perdono nel mondo classico”. In Marta SORDI (org.), Amnistia, perdono e vendetta nel mondo antico, Milano, Vita e Pensiero, 1997, p. 13.

[8] Idem.

[9] Idem.

[10] A vindicta espiritual surge de modo mais explícito quando Rolando e Moneta interpretam a parábola do joio em Mateus (Mt 13,24-30 e 36-43). Contudo, é Moneta quem melhor desenvolve a questão. O primeiro tipo de sanção canônica, a excomunhão, é discutido mais explicitamente no quinto capítulo do último Livro da sua suma anti-herética, dedicado aos prelados da Igreja. Ele utiliza Mateus 18, 15-17, entre outras autoridades, para provar o seu caráter lícito: “(...) se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano”. Monetae CREMONENSIS, Adversus Catharos et Valdenses: Libri Quinque. RICCHINI, T. A. Roma: Ex Typographia Palladis, 1743, p. 439a. O dominicano reconhece ainda a legitimidade de outras imprecações e maldições, como o anátema, quando feitas por amor à justiça e à correção. A erradicação espiritual que a Igreja poderia fazer também aparece nas vezes em que aborda 1 Corintios 5,1-5, em que são Paulo entrega os trangressores da comunidade primitiva à Satanás.

[11] R. VERDIER, “Le désir, le devoir et l'interdit: masques et visages de la vengeance”, Déviance et société. 8, 2 (1984), pp. 181-193, p. 181.

[12] Grado Giovanni MERLO, Inquisitori e Inquisizione del Medioevo, Bologna, il Mulino, 2008, p. 44.

[13] André VAUCHEZ, “In occidente: la repressione dell’eresia e le nuove forme di dissidenza”. In Storia del cristianesimo. Religione, politica, cultura. Apogeo del papato ed espansione della cristianità (1054-1274), Roma, Borla Edizioni, 1997; Raoul MANSELLI, “De la ‘persuasio’ a la ‘coercitio’”, Le Credo, la Morale et l”Inquisition, (Cahiers de Fanjeaux, 6), Toulouse, Éditeur Privat, 1971, pp. 175-197; Robert MOORE, La persécution. Sa formation en Europe. X-xiii siècle, Paris, Les Belles Lettres, 2004; Grado Giovanni MERLO, Contro gli eretici. La coercizione all’ortodossia prima dell’Inquisizione, Bolonha, Il Mulino, 1996; Marco MESCHINI. “L’evoluzione della normativa antiereticale di Innocenzo III dalla Veregentis in senium (1199) al IV concilio lateranense (1215)”, Estratto dal Bullettino dell’Istituto Storico Italiano per il Medio Evo, 106/2 (2004), pp. 207-231; Riccardo PARMEGGIANI, “Frati Predicatori e Inquisizione nel Medioevo”. L’Ordine dei Predicatori. I Domenicani: storia, figure e istituzioni (1216-2016). A cura di Gianni Festa e Marco Rainini. Bari-Roma, GLF Editori Laterza, 2016, pp. 325-350.

[14] O fenômeno herético no medievo ainda é uma questão complexa. A começar pelo próprio conceito de “heresia”, bastante flutuante nesse período, conforme definido por Lorenzo Paolini. Lorenzo PAOLINI, “L’eresia e l’Inquisizione. Per una complessiva riconsiderazione del problema”. In: Lo spazio letterario del medioevo. 1. Il medieovo latino. Vol. II. La circolazione del texto, Roma, Salerno Editrice, pp. 361-405, p. 366. É impossível encontrarmos uma única definição para o termo, porque ele foi utilizado em diversas situações: podia significar corrupção das Escrituras, obstinação no “erro”, clérigo avesso ao programa reformador da Igreja, clérigo reformista, usura, judaísmo, inimigos políticos, magia, contestação anticlerical, insubordinação papal, entre outras definições. Sem entrarmos aqui nos longos debates e reflexões teóricas que marcaram a historiografia das heresias medievais nas últimas décadas, destacamos que muitos historiadores – entre os quais eu me incluo -, concordam que a emergência dos movimentos heréticos, nesse período, resulta, principalmente, entre outros fatores, de uma questão eclesiológica. Desse modo, sem esquecermos a indissociabilidade do binômio ordodoxia e heterodoxia e os efeitos dessa relação – o que, em última análise, faz com que todo herege seja definido como tal por decisão das autoridades ortodoxas, na feliz conclusão de Georges Duby –, compreendemos a emergência dos movimentos heréticos nos séculos XII e XIII como o resultado de dois modelos distintos e inconciliáveis de ecclesia. O primeiro constitui um modelo de ecclesia baseado somente na igreja espiritual ou invisível – destituída de poderes coercitivos – defendido pelos hereges. O segundo é um modelo de ecclesia dos polemistas e teólogos católicos, que, longe de negarem o primeiro modelo, muito pelo contrário – ele é uma reivindicação sempre presente em momentos de reforma da e na Igreja –, tentam uni-lo ao modelo de ecclesia visível, institucional. Georges DUBY, Idade Média, Idade dos homens. Do amor e outros ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 177.

[15] Jacques CHIFFOLEAU, “Sur le crime de majesté médiéval”. In: Genèse de l'État moderne en Méditerranée. Approches historique et anthropologique des pratiques et des représentations. Actes des tables rondes de Paris (24-26 septembre 1987 et 18-19 mars 1988). Collection de l'École française de Rome 168, pp. 183-213, p. 196.

[16] Samuel SOSPETTI, Il Rogo degli Eretici nel Medievo. Dottorato di ricerca in Filologia Romanza e Cultura Medievale. Alma Mater Studiorum – Università di Bologna, 2013, p. 34.

[17] Monumenta Germaniae Historica, Hannoverae, Tomus II, 1837, p. 253; Grado Giovanni MERLO, “Federico II, gli eretici, i frati”. In: Federico II e le nuove culture: atti del XXXI convegno storico internazionale, Todi, 9-12 Ottobre, 1994. Spoleto: italiano di studi sull’alto medioevo, 1995, pp. 45-67.

[18] Giovanni TABACCO, La relazione fra i concetti di potere temporale e di potere spirituale nella tradizione cristiana fino al secolo xiv. A cura di Laura Gaffuri. Firenze, Firenze University Press, 2010, pp. 5-20.

[19] Ovidio CAPITANI, “Legislazione antiereticale e strumento di costruzione politique nelle decisione normative di Innocenzo III”, Bollettino della Società di Studi Valdesi, 140 (1976), pp. 31-53. Entretanto, na prática, nem sempre foi assim. No contexto das lutas envolvendo o papado e o imperador, por exemplo, muitas cidades do norte e do centro da península italiana resistiram, durante muito tempo, em inserir, nos seus estatutos, a legislação eclesiástica anti-herética, a qual, entre outras punições, incluía a pena de morte. André VAUCHEZ, “Une campagne de pacification en Lombardie autour de 1233. L'action politique des Ordres Mendiants d'après la réforme des statuts communaux et les accords de paix”, Mélanges d’archéologie et d’histoire, Roma, 78, 2 (1966), pp. 503-549.

[20] Os historiadores não têm muita clareza de como eram realizadas as pregações destinadas exclusivamente à refutação das premissas heréticas. Vicaire propôs que a pregação dominicana contra as heresias dava-se no quadro da convocatio publica, um tipo de pregação em que toda a população de uma localidade era convocada. M.-H. VICAIRE, “La predication nouvelle”, Le Credo, la Morale et l’Inquisition. (Cahiers de Fanjeaux, 6), Toulouse, Éditeur Privat, 1971, pp. 21-64, p. 42. Para Riccardo Parmeggiani, os dominicanos “preferiram questionar as posições dos hereges e minar a plausibilidade de sua interpretação das Escrituras por meio de pregações assíduas a um público suscetível do ensino herético, em vez de desafiar e envolver seus oponentes em disputas públicas diretas”. Riccardo PARMEGGIANI, “From the University to the Order. Study of the Bible and Preaching against Heresy in the First Generation of Dominicans at Bologna”. In Bibelstudium und Predigt im Dominikanerorden. Geschichte, Ideal, Praxis, V.S. Dóci – Th. Prügl (hrsg.), Roma, Angelicum University Press, 2019, pp. 21-38.

[21] Cary J. NEDERMAN, Worlds of Difference. European Discourses of Toleration. C. 1100-C. 1550, University Park, PA: The Pennsylvania State University Press, 2000, p. 23; Peter D. DIEHL, “Overcoming Reluctance to Prosecute Heresy in Thirteenth-century Italy”, In Scott L. WAUGH, Peter D. DIEHL (eds.), Christendom and Its Discontents. Exclusion, Persecution, and Rebellion, 1000-1500, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, pp. 47-66.

[22] Cary J. NEDERMAN. op. cit., p. 12.

[23] Peter SCHUSTER, “Le rituel de la peine capitale dans les villes allemandes à la fin du Moyen Âge”, In J. CHIFFOLEAU, C. GAUVARD, A. ZORZI (dirs.). Pratiques sociales et politiques judiciaires, Rome, Publications de l’École française de Rome, 2007, pp. 689-712; Andrea ZORZI, “La pena di morte in Italia nel Tardo Medioevo”, Clio & Crimen, 4 (2007), pp. 47-62; C. GAUVARD, “Les oppositions à la peine de mort dans le royaume de France: théorie et pratique (xii-xv siècle)”, Clio & Crimen, 4 (2007a), pp. 22-46; Jean-Marie CARBASSE, La peine de mort, Paris, Presses Universitaires de France, 2011.

[24] Henri MAISONNEUVE, Origines de L’inquisition, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1942, p. 215.

[25] Para mais informações sobre a primeira geração de Pregadores de Bolonha, ver: Riccardo PARMEGGIANI, “From the University to the Order…”, op. cit., pp. 21-38; Roberto LAMBERTINI, “Studia dei Frati Predicatori ed Università: prospettive di studio sul caso bolognese”. In: Domenico di Caleruega e la nascita dell’ordine dei frati Frati Predicatori. Atti del XLI Convegno storico internazionale. Todi, 10-12 ottobre 2004, Spoleto, 2015, pp. 467-489; e Alfonso D’AMATO O. P, I Domenicani e l’Università di Bologna, Bologna, Edizioni Studio Domenicano, 1988.

[26] Além das obras de Rolando e Moneta de Cremona, tem-se conhecimento da Summa contra patarenos (1235), atribuída a Frei Pedro de Verona, mais tarde Pedro mártir, e da Disputatio inter christianum romanum et patarenum bosnensem (anterior a 1241), atribuída a Frei Paulo, o Húngaro. Tanto Pedro de Verona como Paulo, o Húngaro, fizeram parte da primeira comunidade de Pregadores de Bolonha. Ambos também defenderam em seus tratados a perseguição e a vindicta contra os hereges. Sobre o assunto, ver: Patrícia Antunes Serieiro SILVA, “A parábola do joio (Mateus 13,24-30, 36-43) na polêmica anti-herética de Frei Moneta de Cremona”, Revista Signum, 21, 1 (2020), pp. 156-179.

[27] Marco RAININI, “Predicatores, inquisitores, olim heretici: il confronto tra frati Predicatori e catari in Italia settentrionale dalle origini al 1254”. In: Fenomen “Krstjani” u srednjovjekovnoj Bosni i Humu. Bosnia, s.a., pp. 455-477, p. 477. Uma visão diferente disso é proposta por Luigi Canetti em “Domenico e gli eretici”, In: Bollettino della Società di Studi Valdesi. Storia ereticale e antiereticale del medioevo. A cura di Grado Giovanni Merlo, XXXV Convegno di studi sulla Riforma e sui movimenti religiosi in Italia, 179, Torre Pelice, Società di Studi Valdesi, 1995, pp. 122-158.

[28] M.-H. VICAIRE, op. cit., pp. 21-64; Lorenzo PAOLINI, “Domenico e gli eretici”, In Domenico di Caleruega e la nascita dell’Ordine dei frati predicatori. Atti del XLI Convegno storico internazionale. Todi, 10-12 ottobre 2004, Spoleto, 2005, pp. 180-326.

[29] Jean-Louis BIGET, “Saint Dominique, la société du Languedoc, les bons homes et les vaudois (1206-1217)”, In Domenico di Caleruega e la nascita dell’Ordine dei frati Predicatori. Atti del XLI Convegno storico internazionale. Todi, 10-12 ottobre 2004, Spoleto, Centro italiano di studi sull’alto medioevo, 2005, pp. 131-179, p. 133.

[30] Giulia BARONE, “L’età medievale. (xiii-xiv)”, In Gianni FESTA, Marco RAININI (orgs.), L’Ordine dei Predicatori. I Domenicani: storia, figure e istituzioni (1216-2016), Bari-Roma, GLF Editori Laterza, 2016, pp. 5-29, p. 12; Lorenzo PAOLINI, Le piccole volpi. Chiesa ed eretici nel medioevo, Bologna, Bononia University Press, 2013, p. 162. O primeiro registro de um frade Pregador definido como “inquisidor haeretice pravitatis in Lombardia” consta numa carta do papa Gregório IX, de 03 de novembro de 1232. O registro fazia referência a um frade de nome Alberico. Marina BENEDETTI, “Gregorio IX: L’Inquisizione, i frati e gli eretici”, In Gregorio IX e gli ordini mendicanti. Atti del XXXVIII Convegno internazionale, Spoleto, Fondazione Centro italiano di studi sull’Alto Medioevo, 2011, pp. 295-323, p. 305.

[31] Os dois frades são mencionados nas Vitae Fratrum, compilação produzida pelo dominicano Gerardo de Fracheto (1205-1271), entre 1256-1260, e no De quatuor in quibus Deus Praedicatorum ordinem, tratado composto pelo dominicano Estevão de Salaniaco (1210-1290), em 1270, e ampliado mais tarde, entre 1307 e 1314, pelo dominicano e inquisidor Bernardo Gui (1261-1331).

[32] Gundisalvo ODETTO, “La ‘Cronaca maggiore’ dell’ordine domenicano di Galvano Fiamma”, Archivum fratrum praedicatorum, X (1940), pp. 298-373, p. 352.

[33] Riccardo PARMEGGIANI, “Rolando da Cremona”, In Dizionario Biografico degli italiani, 88, Roma, Treccani, pp. 158-161, p. 159.

[34] Paul-Bernard HODEL, “Um sermone di Rolando da Cremona per il giovedì santo?”, In Divus Thomas. I Domenicani nella storia: Episodi emblematici tra predicazione, metafisica e politica, Bologna, Edizioni Studio Domenicano, vol. 106, n. 3, 2003, pp. 60-77, p. 61.

[35] De acordo com Alfonso D’Amato, é possível que, desde 1219, já houvesse um ensino regular de Teologia no convento bolonhês, ministrado por Reginaldo de Orleães, por alguns mestres do studium citadino ingressados na Ordem e, ocasionalmente, pelo próprio Domingos. Alfonso D’AMATO. op. cit., p. 81.

[36] Luigi CANETTI, L’invenzione della memoria. Il culto e l’immagine di Domenico nella storia dei primi frati Predicatori, Spoleto, Centro italiano di studi sull’alto medioevo, 1996, p. 95, nota 195.

[37] Tommaso RICCHINI, In Monetae Adversus Catharos et Valdenses: Libri Quinque, Nabu Press, 2012, p. VIII.

[38] Riccardo PARMEGGIANI, “Rolando da Cremona (1259) e gli eretici. Il ruolo dei frati Predicatori tra escatologismo e profezia”, Archivum Fratrum Praedicatorum, vol. 79 (2009), pp. 23-84, p. 25.

[39] Ibidem, p. 30.

[40] A Summa de Rolando é formada por quatro livros. Atualmente, existem três cópias parciais da obra: o manuscrito de Bérgamo (meados do século xiii) conserva o livro III; o manuscrito do Vaticano (fim do século xiii e início do xiv) conserva os dois primeiros livros e a segunda parte do livro III; e o manuscrito de Paris (sec. xiii) contém os livros I, II e IV. Giuseppe CREMASCOLI, “La ‘Summa’ di Rolando da Cremona. Il testo del prologo”, Studi Medievali, 1975, pp. 824-876, p. 828.

[41] Stephanus DE SALANIACO, Bernardus GUIDONIS, De quattuor in quibus Deus Praedicatorum Ordinem insignivit, Thomas Kaeppeli O. P. (ed.), Roma, Istituto Storico Domenicano, 1949, p. 32.

[42] Paris, Biblioteca Nacional da França, lat. 3656: fim do século xiii e início do século xiv; Linz, Biblioteca Regional da Alta Áustria, 296: fim do século xiii e início do século xiv; Munique, Biblioteca da Baviera, Clm 14620, século xiii; Vaticano, Biblioteca Apostólica Vaticana, lat. 428 (séc. xiii) e lat. 3978 (séc. xiv); Nápoles, Biblioteca Nacional, VII B. 36 (séc. xiv); Palma de Maiorca, Biblioteca Episcopal (séc. xiii); Bolonha, Biblioteca Universitária 1550 (séc. xv); Leipzig, Biblioteca Universitária, 765 (a. 1408); Dubrovnik, Convento da Ordem dos Pregadores, 73 (séc. xiii); Breslávia, Biblioteca Universitária, IF 238 (a. 1400); Veneza, Biblioteca Nacional de São Marco III. 49 (2904) (séc. xv); Seitenstetten, 213 (séc. xv).

[43] Francesca MERLO, Lotta all’eresia e anti-necessitarismo nel pensiero di Moneta da Cremona, Tese di dottorato. Dipartimento di Scienze del Patrimonio Culturale. Dottorato in Filosofia Scienze e Cultura dell’ Età Tardo-Antica Medievale e Umanistica, XII Ciclo, Anno Accademico 2013/2014, p. 141.

[44] Stephanus DE SALANIACO, Bernardus GUIDONIS. op. cit., p. 33.

[45] “Sciendum est igitur, quod haeretici Ecclesiam Dei, quae est Ecclesia Romana, accusant de persecutione, dicentes ipsam facere persecutionem, cum passura sit, non factura”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 508b.

[46] Ibid., p. 511b.

[47] “Alia causa est quia ipsi magis destruunt Ecclesiam quam alii peccatores, et debent comburi quemadmodum meretrices, quia ipsi significati sunt per illam meretricem de qua loquitur beatus Johannes in Apocalipse: Non est enim tam turpis fornicatio ut heresis”. Summae Magistri Rolandi Cremonensis, O.P. Liber secundus, curante L. Cortesi, Bergamo: Corponove Editrice, 2017, p. 382.

[48] Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 31, nota 21.

[49] Ibidem, p. 31-32.

[50] Grado Giovanni MERLO, op. cit., 2008, p. 23.

[51] Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 43.

[52] Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 1b.

[53] “Adhuc etiam haeretici agitati veneno perfidiae nituntur probare, quod Romani Pontifices, et qui eis adhaerent, non sunt successores Petri, sed Constantini...”. Ibidem, p. 409b, tradução nossa

[54] Ibidem, p. 33a, tradução nossa.

[55] Ibidem, p. 374b, tradução nossa.

[56] “Omnes enim infideles legunt et non intelligunt. Judei legunt et non intelligunt, nec volunt intelligere; similiter saraceni et maxime tales sunt heretici”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Summae, Liber II, p. 393. A opinião de que os hereges não entendem as Escrituras e, neste caso, o Evangelho, pode ser vista na seguinte passagem da Postilla in Iob: “Fugite ergo, o vos heretici, a scriptura Evangelii Christi, quia nec intelligitis, nec per Ecclesie magistros intelligere curatis”. Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 76, nota: 126.

[57] Ibidem, p. 30.

[58] “corpus Leviatan est ecclesia malignantium, sicut corpus Christi est ecclesia iustorum”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, ed. Cortesi, 2017, p. 1319, tradução nossa. A ideia dos dois corpos também é encontrada na Postilla in Iob. No entanto, aqui, o frade utiliza o termo corpus diaboli em vez de corpus Leviatan. Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 42-51.

[59] “(...) quod duplex Ecclesia invenitur in mundo isto, secundum attestationem Scripturarum, una est Ecclesia Sanctorum, de qua legitur in Psalmo 149. v. 1. Cantate Domino canticum novum laus ejus in Ecclesia Sanctorum. Secunda est Ecclesia Malignantium, de qua legitur Spiritum Sanctum per David dixisse in Psalmo 25. V. 5. Odivi Ecclesiam malignantium...”, tradução nossa. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 389a-b, tradução nossa.

[60] Ibidem, p. 390a.

[61] Philip TIMKO, The Ecclesiology of Moneta of Cremona’s Adversus Catharos et Valdenses, Catholic University of America, 1989, p. 222.

[62] Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber II, p. 378; Liber IV, ed. Cortesi, 2017, p. 342; Expositio Libri Beati Job, ed. Cortesi, 2016, p. 174.

[63] Michèle BORDEAUX, “Le sang du corps du droit canon ou des acceptions de l’adage ‘Ecclesia abhorret a sanguine’”, Droit et Société, 28 (1994), pp. 543-563, p. 544.

[64] Henri-Xavier ARQUILLIÈRE, “Origines de la theorie des deux glaives”, Gregoriani per la storia di Gregorio VII e della riforma gregoriana. Roma (1947 - 1960), vol. 1 (1947), pp. 501-521, p. 504.

[65] Jean LECLERCQ, Jean de Paris et l’ecclésiologie du XIII siècle, J. Vrin, 1942, p. 50.

[66] “Item Dominus dixit (Luc. 12, 36-38): Qui non habet gladium vendat tunicam et emat gladium. Et Apostoli dixerunt (ibidem eodem): Duo gladii sunt hic. Et Dominus aprobavit dicens: Sufficit, sive: satis est, quod est idem. Ergo duo gladii sunt necessarii in ecclesia. Non vult dicere Dominus quod duo gladii suffecissent apostolis contra cohortem Iude, sed voluit dicere quod duo gladii sunt necessarii in ecclesia, unus Cesaris et alius Evangelii. Et sicut gladius Evangelii separat animam a carnalitate spiritualiter, ita gladius Cesaris debet separare animas malefactorum a corporibus. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III. op. cit., p. 596.

[67] “Unde et Dominus dicit de istis, quia benefici vocantur Lucae 22.v.25. Quare? quia magnum bonum faciunt hominibus tenendo eos in pace; reddendo unicuique secundum quod meretur; gladius enim materialis juvat spiritualem, idest praedicationem, tunc enim possunt uti Praedicatores gladio suo, alias male possent uti eo: propter hoc cum dictum esset Lucae 22.38. Ecce duo gladii hic; Respondit Dominus: Satis est; in Ecclesia enim duo gladii sufficiant, scilicet materialis et spiritualis (...). Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 522a, tradução Alexandre Hasegawa.

[68] Essa ideia da pregação como gládio se insere, na verdade, numa longa tradição exegética cuja passagem de Efésios 6,17 foi o ponto de partida: “Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito Santo, que é a palavra de Deus”. Michel LAUWERS, “Le glaive et la parole. Charlemagne, Alcuin et le modèle du rex praedicator: notes d’ecclésiologie carolingienne”, Annales de Bretagne et des Pays de l’Ouest, t. 111/3, (2004), pp. 221-244, p. 223.

[69] Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 402a; “Heretici putant facere eccelsiam. Gloriantur enim heretici, quia ovinis vestibus conteguntur, secundum quod de eis loquitur Dominus: attendite a falsis prophetis, qui veniunt ad vos in vestimentis ovium, interius autem sunt lupi rapaces (Mt 7,15). Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 50, nota: 67.

[70] “Scientes bellum: sciunt enim contra mundum et contra carnem et demones et omnia vicia dimicare”. Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 71, nota: 113, tradução nossa.

[71] “Haec autem lex duplex creditur ab his, qui in divinis docti sunt, et lumine verae Fidei sunt irradiati; teste enim ipsa veritate Matth. 13 v.52. Omnis scriba doctus in regno caelorum similis est Patrifamilias, qui profert de thesauro suo nova, et vetera. Per regnum caelorum Dei Ecclesia, per thesaurum autem doctrina sacra significatur, de qua qui doctus est in Ecclesia ad confusionem haereticae pravitatis, et corroborationem catholicae Fidei profert testimonia Novi et Veteris Testamenti”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 1a-b.

[72] Ibidem, p. 514a.

[73] “Et primo dicamus de illo quod facit ad effusionem sanguinis. Quod illud iuditium debeat exerceri in ecclesia, non solum probatur per vetus Testamentum sed et per novum, quod est contra hereticos”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 1358.

[74] Ibidem, p. 1359.

[75] Ibidem, p. 1360.

[76] Idem.

[77] Idem.

[78] “Nunc videamus de vindicta, quae est una persecutionis species...”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 511b.

[79] A menção ao fogo surge em várias passagens das obras de Rolando, entre as quais: “Contra quos opponitur. Si istud est quod vera sit vestra fides. Ponamus quod hic sint duo, sicut sepe accidit, quorum unus sit valdensis, et alter manicheus; manicheus intrat ignem pro sua fide, valdensis similiter”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 378.

[80] Por exemplo, conforme Moneta, os príncipes não só podem matar, mas também cegar os malfeitores. A passagem da cegueira de Elimas, o mago (Atos 13,11), pelas palavras de são Paulo, fundamenta esse pensamento do frade. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 541a. Da mesma forma, Rolando, em alguns momentos, toma a mutilação como punição: “Ergo manifeste contra dicunt heretici novo Testamento vel oportet eos concedere quod licet mutilare et occidere in novo Testamento”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 596. Também na Postillain Iob: “Ypocrite heretici non increpatione, vero levi admonitione, set ferro poterint amputari”. Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., p. 65.

[81] “Solent ergo dicere quidam, qui non sunt recte fidei...” Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 1365.

[82] “Ista ad haereticos sufficiunt, tamen ad instructionem rudium in Ecclesia hoc dico (...)”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 530a.

[83] Hic vocavit Petrus malefactores quos vocavit Moyses maleficos, quando dixit: Maleficos non patieris vivere”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 596. O mesmo esquema pode ser encontrado na Postilla in Iob. Expositio Libri Beati Job Magistri Rolandi Cremonensis, ed. Cortesi, 2016, p. 174.

[84] Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 516a.

[85] Ibidem, p. 516b.

[86] De acordo com Henri Maisonneuve, os teólogos foram menos sensíveis à teoria da vindicta contra os hereges, preferindo as questões de natureza dogmática das heresias. Henri MAISONNEUVE, Études sur les origines de L’Inquisition, Paris, J. Vrin, 1942, p. 356. Contudo, o tema da vindicta é abordado por muitos deles. Entre os dominicanos, Alberto, o Grande (1193-1280) e Tomás de Aquino (1225-1274). Entre os franciscanos, figuram Alexandre de Hales (1185-1245) e Boaventura de Bagnoregio (1221-1274). Cada um, ao seu estilo, justifica a repressão anti-herética do seu tempo com base em imagens e modelos bíblicos, além da mediação patrística. Além disso, é muito comum, nesse tipo de texto, a referência às fontes de Direito canônico da Igreja.

[87] Ibidem, p.534a-535b.

[88] Ibidem, p. 542a-b.

[89] Ibidem, p. 529b.

[90] “Item si non interficerentur malefactores res publica periret, et ita ecclesia”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 596. Em outro momento do livro, Rolando se refere a “mundo” em vez de “res publica”: “Sed si nullus facit iuditium sanguinis, perit ecclesia, perit et mundus. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, op. cit., p. 1358.

[91] “(...) quod Judex digne, et juste vindicans, pacem sequitur, idest pacem habet prae oculis, idest tranquillitatem Ecclesiae, vel Reipublicae, quae praeferenda est paci, idest quieti unius qui turbat pacem multorum”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 530a.

[92] “Praeterea, si dicas mihi de aliquo haeretico, qui punitur a Judice: forte adhuc convertetur. Respondeo: Nescio quid continget, videamus de praesenti, utrum dignus sit morte, an non; et an occidendus, an non; et sic poterit trahi extra quaestionem suam, et venient ad Scripturam, per quam poterit probari, quod dignus morte occiditur a Judice sine peccato, qui ipsum occidit non ex odio, sed ex amore justitiae, per quam providetur totius reipublicae utilitati; sed utilitas reipublicae melior propria illius utilitate, et ideo magis eligenda; sicut nocumentum plurium, idest totius reipublicae deterius est et damnosius, quam nocumentum unius; quare magis cavendum; et ideo de voluntate summi judicis est, quod reus mortis occidatur a ministro eius, ordinato ab ipso, serviente ei in hoc, Roman. 13. v.6”. Ibidem, p. 524a, tradução A. H.

[93] “(...) ergo occisio unius a Deo sit ad correctionem alterius: vides igitur quod vindicta non sit ad correctionem patientis”. Ibidem, p. 523b, tradução A. H.

[94] Restat igitur, quod praeceptum dilectionis potius ad cordis dilectionem, et benevolentiam pertineat, et non ad relaxationem impunitatis, sed ut de inimicorum perditione doleamus, eorum salutem desideremus, pro eorum correctione laboremus, et oremus”. Ibidem., p. 516b-517a, tradução A. H.

[95] Ibidem, p. 524b.

[96] Maria Teresa DOLSO, “La parabola della zizzania e il problema ereticale”, Cristianesimo nella storia, 26, 1 (2005), pp. 225-263, p. 243.

[97] “Sic ergo sum in ista sententia quod heretici debent interfici, si non volunt redire ad fidem”. Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 1366.

[98] “(...) et ita tunc licebit eradicare quando crimen notum est, nec dubium est judici, nec simul cum eo eradicat innocentem.”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 520a, tradução A. H.

[99] “Episcopi ergo debent precidere zizania falce excommunicationis, vel etiam falce sue sententie, quoniam debent eos iudicare esse hereticos. Alius autem angelus, idest potestas secularis debet eos precidere gladio materiali”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, p. 1366.

[100] “Potest etiam aliter solvi, et dici: quod eradicatio de agro, idest de mundo, quae est idem quod occisio, non est prohibita omnibus servis, sed tantum Clericis, non est prohibita potentatibus, et principibus (...)”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 519b.

[101] Apud Riccardo PARMEGGIANI, op. cit., pp. 72-73.

[102] “Et heretici devicti a diabolo et propria iniquitate se proitiunt in ignem. Videt enim hereticus quod homo est illitteratus et quod in ecclesia romana sunt optimi clerici, et illi idem sunt homines optimi; et ideo de necessitate conscientia remordet. Debiliter tamen remordet, quia quasi exstincta est, et non potest redire deceptus a diabolo et propria iniquitate. Mentitur ergo in doctrina religionis. Et non est ita de iudeo. Adheret enim legi sue litterali; hereticus autem non habet ubi hereat. Et ideo iste mentitur, ille autem non. Quod vidi, narro. Examinabam quosdam hereticos, et sic artavi eos ut non possent substinere que dicebant. Postquam vidi eos ita confusos, dixi eis: ‘Quare ergo non reditis ad fidem?’ Illi autem dixerunt: ‘Non possumus’. Manifestum est ergo quod heretici contra conscientiam dicunt in doctrina religionis. [...] De aliis non potest dici quod mentiantur in doctrina religionis, nisi de hereticis”. Summae Magistri Rolandi CREMONENSIS, Liber III, pp. 1375-1376.

[103] “De tali certum est, quod est triticum suffocans, et quod lupus est oves devorans; subversionis damnum videmus, conversionem non videmus, unde bonum conversionis eorum, rarum, incertum, difficile, non debet praeponi bono magno, et certo, et frequenter accidenti”. Monetae CREMONENSIS, op. cit., p. 524a.

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